domingo, janeiro 29, 2006


Cada panela e sua tampa:.

Lavando louça, e atendo um pedido especial. Lógico, entro, vejo quem é. Adoro poder atuar de intercâmbio entre panelas e tampas. Enquanto a página não se mostra, e nada se revela, já tenho mil páginas abertas, assuntos e profiles interessantes, notícias que se mostram boas. Fico feliz por ele. Às vezes, e agora quase indo guardar o que já deve estar completamente seco, a gente se imagina encaixando-se naquilo que de pronto sabemos que não serve pra nós. É como, ouso confessar, me chamarem para comer suíno. Cordeiro ou Cabrito. Presente maldito, porque não entra, não engole, e fatalmente eu vou chorar ou me enfezar - com certeza irei embora. O depois é mais estranho: porque eu odeio perder, assim, de pronto, qualquer coisa. Mas pessoas não são coisas, e os outros deveriam se ater a isso - cada um tem sua tampa em algum lugar. Não adianta insistir naquilo que não nos convém - o importante é apostar no coração. Se ele apontar para o lado daquele que você já nem reparava; isolado, ali tem. Geralmente a gente procura onde há sinos e badalos tocando, pra provar superficialidade e curtir sobremesa. O boom do amor ocorre sem extravagâncias: vem embalado em caixas simples. Traz consigo apenas um perfume. Fatalmente, o desejo de cuidar daquilo que se mostra...Sem aquelas frases bonitas e bem-feitas, inteligentes mas com sabor de outros e de muitos. Se o outro foi capaz de se mostrar autêntico e transparente, então, nem tudo está perdido. Ou somente o coração.

O vocabulário egípcio traz a raiz MR, MRJ. Parece estranho, os egipcios não usavam vogal. Mas eles escreviam assim, e na hora de pronunciar, a vogal aparecia. E o fato é que MR se pronunciava "amer", "amor". Escrita com hieróglifos a palavra MR era representada por uma espécie de pá ou cavadeira de camponês abrindo a terra. Há um sentido agrário de fecundação cósmica. Amor, então, era como um ato de cultivar a terra. Não parece, portanto, que seja um ato aleatório. Uma semente jogada ao acaso pode até brotar. É forte a vontade de vida e fértil no imaginário de cada um. Mas o ato de amar, mais produtivo e fecundante, implica a ação, o investimento, o semear cavando e movendo a terra. E para grafar a palavra amor, os egípcios usavam seu alfabeto especial, e não o popular, porque sabiam também que o amor é coisa para iniciados.

Ana de Amsterdam:.

Só Anas devem ser malucas pra toparem decisões que modificam nossa vida e transfiguram nossa alma. O que adveio depois que li este pedaço de poesia no blog do Carpinejar, fiquei pensando na frase do velho, parodiando o mar. Porque Anas, nesses somatórios de vida e encruzilhada, reparem bem na firmeza da mão que segura a sua. E daquilo que povoa ao redor dos dois. Talvez a questão seja: se tiveres Carolina, ah, dá uma olhada na conta-corrente do Amor. Maria, vê como anda a cozinha. Bárbara, olha o carro que está ali, parado, à espera dos dois. O resto, bem, se olhares nos olhos do outro e sentires o que o Fabricio coloca - se aventura. Porque eu, depois de naufragar em águas de São Paulo, imundas e pífias, ainda sonho com o mar de Catarina. Santa e bela, que rogai por nós.

Sou Ana do dique e das docas
Da compra, da venda, da troca de pernas
Dos braços, das bocas, do lixo, dos bichos, das fichas
Sou Ana das loucas
Até amanhã
Sou Ana
Da cama, da cana, fulana, bacana
Sou Ana de Amsterdam

Eu cruzei um oceano
Na esperança de casar
Fiz mil bocas pra Solano
Fui beijada por Gaspar

Sou Ana de cabo a tenente
Sou Ana de toda patente, das Índias
Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada
Sou Ana, obrigada
Até amanhã, sou Ana
Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos
Sou Ana de Amsterdam

Arrisquei muita braçada
Na esperança de outro mar
Hoje sou carta marcada
Hoje sou jogo de azar

Sou Ana de vinte minutos
Sou Ana da brasa dos brutos na coxa
Que apaga charutos
Sou Ana dos dentes rangendo
E dos olhos enxutos
Até amanhã, sou Ana
Das marcas, das macas, da vacas, das pratas
Sou Ana de Amsterdam

sábado, janeiro 28, 2006


Mulher que Ama:.

Casada, Amando outro

Aquela mulher ali, em meio a esta reunião social, tem um amante. Amante: palavra que já derramou sangue e até os anos 30 era proibida nos palcos brasileiros, conforme revelou, há tempos, Procópio Ferreira. Mas o que me leva a achar que ela tem um amante, se não sou seu marido, não sou sua melhor amiga, e, a rigor, a estou vendo pela primeira vez?

Talvez seja isso: quando as pessoas estão amando, os outros percebem. Aliás, quando estão desamando também. Certa vez vi uma amiga atravessar a Av. Atlântica às três horas da tarde e dirigir-se a um cinema, que hoje não existe mais. Não sei se era o jeito dela ir sozinha, havia nela alguma coisa que me fez chegar em casa e comentar: acho que fulana está se separando. Daí a dias veio a confirmação. Uma vez uma amiga me disse: "Antes que eu soubesse que estava grávida, percebi que algo amoravelmente diferente acontecia comigo: os homens me observavam mais e até me cantavam". É que uma mulher amada é uma fêmea que se denuncia e alicia outros amores entre os machos na campina.

Deve ser isto: para mim, aquela mulher ali no terraço, nesta festa ao entardecer, está exalando amor, um secreto e doce amor. Se alguém encostar o ouvido nas paredes de sua alma, ouvirá que ela canta. Há alguns meses já não é a mesma. Uma parte do mundo se acrescentou a ela. De algum modo ainda está perplexa com a situação, mas não chega a estar ansiosa. O que a intriga, por outro lado, é que de algum modo também ama seu marido, ou , pelo menos, não pensa em se separar nem em se afastar de sua casa. Se um anjo do Senhor com uma espada baixasse dos céus e lhe dissesse: "Escolhei aquele com quem deveis ficar", seria um suplício, pois, no fundo, ela sabe que são coisas diferentes. E necessárias. "Por favor, Senhor", ela vai rezando enquanto se dirige ao balcão e olha o mar, "não me obrigueis a esse esfacelamento, ensinai-me antes a coabitar com a minha ambígua felicidade".

(...)A festa vai transcorrendo. Estou passeando pelo passado, presente e futuro desta mulher sem que ela o saiba. Vai esse amor extemporâneo reaproximá-la do seu marido? É apenas um parêntese poético no prosaico da sua vida? Pode parecer estranho, mas há casos em que certos casamentos melhoraram depois desses episódios. Claro, outros desabaram de vez, outros se complicaram ainda mais, mas há casos de casamentos que melhoraram silenciosamente a partir daí. Sei que isto pode soar indecente, amoral ou sei-lá-o-quê, mas não invento nada, apenas constato.

É como se o outro tivesse ido lá fora aprender coisas sobre si mesmo. E nessa questão do aprendizado, seja ele escolar ou amoroso, a gente não aprende necessariamente aquilo que querem nos ensinar, mas aquilo que carecemos aprender.

Ali está ela. A festa continua, já começa a anoitecer, claro que para nós, não para ela, que está num momento luminoso de sua vida. Num momento também delicadíssimo e sem poder partilhá-lo com quem quer que seja. É que certas travessias têm que ser feitas a sós. E são elas que dão sentido à vida, ainda que provisoriamente.

Affonso Romano de Sant'Anna.

A tragédia do Titanic.

A internet criou uma nova maneira de ser infiel: começa com mensagens, evolui para confidências, logo entra no reino das fantasias sexuais. Quando menos se espera, o marido ou a mulher já estão teclando sem parar com um desconhecido. Mesmo que nunca se transfira para a vida real, a traição machuca do mesmo jeito. Essa é a introdução do tema "Traição Virtual", da Revista Veja. A traição não é apenas o contato físico, mas também, e de forma tão ou mais insuportável para o traído, a miríade de detalhes que apontam para a intimidade emocional: o sentimento de cumplicidade, a deliciosa excitação de esperar pelo chamado do outro, as confidências sobre segredos e fantasias, o prazer de ir para a cama pensando que amanhã tem mais. Começa com a troca de mensagens eletrônicas, o envolvimento vai crescendo, estabelece-se um vínculo íntimo. Tem todos os ingredientes de um caso extraconjugal, mas, na maioria das vezes, o contato físico pode nem ocorrer. Evidentemente, não é a internet que estraga os relacionamentos. Mas que potencializa o dano, potencializa.

Admito que "para alguém se relacionar comigo" terá que me fornecer todas as senhas que possuir. Não, não adentrarei em nenhum espaço sagrado, mas quero as chaves de todo paraíso fechado. Porque algum dia, de repente, a intuição bate... Eu não aceito continuar um relacionamento com alguém que "tecla" com outras a ponto de manter altas intimidades. Perdoar, eu perdôo, caridade cristã. O incidente, infelizmente, faz o barco do amor afundar.

domingo, janeiro 15, 2006


Budapeste:.

Um eterno dilema este: senhas são para serem esquecidas. Por isso a guardamos. Em lugares tão díspares, que não lembramos quando queremos. Aí então, vem pra cá e senta, Pam. A curativa e prestativa, a maravilhosa exemplar feminina na mente de um homem.

PAM, de Irvin Yalom.
Schopenhauer dizia que as mulheres muito atraentes, assim como os homens muito inteligentes, estavam destinados a viver isolados. Porque os outros ficavam cegos de inveja e de raiva da pessoa superior. Por isso, esses dois tipos não tinham amigos íntimos do mesmo sexo. Mas Pam era diferente: linda, e com muitas amigas íntimas do mesmo sexo. Firme, dura, a pessoa mais inteligente que muita gente já tinha encontrado. Mas tinha problemas com os homens: tem raiva deles. De todos. A durona no Amor. A Juíza do Supremo. Pam era a grande força no grupo de terapia. O casamento e o caso amoroso tinham acabado ao mesmo tempo, ela tinha ficado irritada com os dois, e por mais que o grupo tentasse, nada a ajudou. Desesperada ela decidiu ir para a Índia procurar um famoso guru num centro de meditação Budista. Para Pam, o mais importante no momento era obter tranqüilidade. Sua mente, nos últimos tempos tinha sido um campo de batalha onde lutava para afastar as lembranças e fantasias barulhentas, obsessivas e invasivas sobre o ex-marido e o ex-amante.

Sete anos antes ela havia procurado um ginecologista quando engravidou de um parceiro eventual, e resolveu fazer um aborto. O ginecologista foi muito amável, gentil, cuidadoso no seu acompanhamento, e após a cirurgia, telefonou para sua casa, e convidou-a para almoçar, ocasião em que de paciente, passou a namorada. Esse namoro havia progredido com rapidez incrível. Nenhum homem jamais havia entendido-a tão bem, ele era tão solidário, conhecia cada pedacinho e detalhes dela, e lhe proporcionava muito prazer sexual. Embora com muitas qualidades maravilhosas (competente, charmoso, inteligente), ela percebia que havia lhe dado uma dimensão heróica, enorme. Ficara surpresa por ter sido “a escolhida”, promovida à primeira na fila de mulheres que batiam no seu consultório, e apaixonou-se perdidamente, aceitando se casar depois. No começo, o casamento perfeito Mas na metade do segundo ano apareceu a realidade de ter um marido mais velho vinte anos: ele precisava descansar mais; e percebeu que ela também começou a envelhecer, e a perder sua identidade. Ela se sentia durante o casamento acelerando o processo de envelhecimento, o tempo, e isso irritava sua juventude. Todas as noites ele chegava em casa, com disposição para os mesmos programas, virou rotina. Tédio. O pior era que ele não lia nada, embora um dia tivesse falado com fluência e segurança sobre literatura. Como ela tinha gostado de saber que seu marido gostava dos mesmos livros que ela. E que choque ver depois que tinha confundido forma com conteúdo: não só as informações sobre literatura eram decoradas, mas tinha poucos livros, não se interessava por novos. Foi a essa altura que entrou em cena o amante: professor-assistente no mesmo departamento que ela, carregado de livros, pescoço longo e bonito, lia tudo, desde autores do seu século até outros que fugiam de sua especialização. A amizade deles aumentou com as visitas a todos os lugares e programas românticos do campus: reuniões no departamento e almoços do Clube de Professores, palestras mensais no Auditório, e foi se enraizando e florescendo em atividades acadêmicas, como dar aulas em dupla sobre grandes pensadores ocidentais, ou para um dar palestra no curso do outro. A ligação definitiva foi na guerra das discussões – estavam sempre do mesmo lado. Em pouco tempo, confiavam tanto na opinião recíproca sobre romancistas e poetas que não precisavam mais de outras; o correio eletrônico vivia abarrotado de citações filosóficas. Desprezavam textos que fossem bonitinhos ou pretensamente inteligentes; queriam apenas o máximo: beleza e sabedoria através dos séculos. À medida que aumentava a pilha de livros que tinham lido, a relação ficava mais harmoniosa. Emocionavam-se com os mesmos pensamentos dos mesmos escritores; juntos tinham epifanias. Em resumo, dois professores de inglês perceberam-se apaixonados tempos depois. “Você larga seu casamento, e eu largo o meu”.

Quem disse essa frase? Ela nem se lembrava de que alguém a tivesse pronunciado. Mas a certa altura, chegaram a esse compromisso de alto risco amoroso. Pam estava pronta, mas o amante tinha duas filhas pré-adolescentes e, naturalmente, pediu mais tempo. Pam teve paciência. Graças aos céus, seu amante era o homem dela, um bom sujeito, pedia tempo para lutar contra temas morais, como o sentido das juras de casamento. Lutava também com a culpa de abandonar as filhas, e como fazer para largar uma mulher embotada, mãe sem graça. Os meses se passavam, e o amante não chegava à definição nenhuma. Pam desconfiou que ele, assim como tantos maridos e mulheres insatisfeitas, tentava fugir da culpa e do peso de atos contrários ao moral e irreversíveis, fazendo com que sua mulher decidisse. Queria que ela pedisse a separação, para ser a vítima. Ele perdeu todo o interesse sexual pela mulher, a criticava, era o velho golpe do “não posso largar dela, mas rezo para que ela me largue”. Só que a mulher dele não caía no golpe. Finalmente, Pam agiu. A decisão foi apressada por dois telefonemas que lhe contaram o que seu marido andava aprontando. Com a desculpa de ser médico, ele estava investindo em pacientes. Pam agradeceu sua boa estrela, e ligou para o advogado, esperando que com isso seu amante tomasse uma decisão. Até que um dia o amante resolveu. Após um fantástico encontro de amor no lugar de sempre, ele a olhou, sério e disse: “Eu a amo, e porque amo decidi ser firme. Não estou sendo justo contigo, e resolvi tirar um pouco da pressão sobre você, principalmente, mas sobre mim também. Temos de passar um tempo sem nos vermos”. Pam ficou atordoada. Mal ouviu o que ele dizia. Uma hora ela o amava, em outra o odiava. Com isso entrou num grupo de análise e terapia, mas essa crise o tratamento não conseguiu resolver: vencer o enorme poder do pensamento obsessivo.

Nos dias que se seguiram na Índia, difíceis e em total silêncio meditativo, conseguiu finalmente limpar a mente. Mas não se encontrava animada. Algo toldava seus pensamentos, e enquanto pensava nesse enigma, adormeceu e acordou logo após, pensando num sonho estranho: uma estrela de perninhas, cartola, e bengala sapateava no palco de sua cabeça. Uma estrela bailarina. Sabia exatamente o sentido do sonho. De todos os aforismos literários que ela e o amante apreciavam, um dos preferidos era a frase de Nietzche em Zaratustra: “É preciso ter o caos dentro de si para dar origem a uma estrela bailarina”. E aí entendeu a ambivalência que sentia em relação à meditação. O guru havia cumprido o que prometera: lhe dera calma, tranqüilidade, ou como costumava dizer, contrapeso. Mas a que preço? Se Shakespeare tivesse praticado essa meditação Vipassana, teria escrito o Rei lear ou Hamlet? Alguma obra-prima da cultura ocidental teria sido escrita? Lembrou dos versos de Chapman: “Nenhuma pena pode escrever nada de eterno, se não for mergulhada na tinta das trevas”. Essa era a tarefa do grande escritor: mergulhar no sentimento das trevas, aproveitar a força da escuridão para criar. Senão, como os sublimes autores malditos (Kafka, Dostoievski, Virginia Woolf, Hardy, Camus, Plath, Poe) teriam iluminado a tragédia da condição humana? Não foi por saírem da vida, nem ficarem assistindo parados a vida passar.

Pam não tinha nada contra o ensinamento do guru. Embora soubesse pouco sobre o Budismo, tinha lido sobre as 4 verdades: a vida é sofrimento, o sofrimento é causado por apegos (a idéias, pessoas e a própria vida); há um remédio para o sofrimento: a cessação do desejo, do apego, do eu; Há um caminho para uma vida sem sofrimento: os oito passos da revelação. Pensou novamente nisso, olhou em volta, as pessoas tranqüilizadas, satisfeitas com suas vidas dedicadas a varrer a mente com a meditação. Será que o remédio não era pior do que a doença? Na madrugada do dia seguinte, ficou ainda mais em dúvida ao ver o grupinho de mulheres da seita jainista a caminho do banho. Os jainistas levaram a extremos a ordem de não matar: andavam devagar e cuidadosos como caranguejos, pois tinham de afastar o cascalho para não pisar num inseto, e mal conseguiam respirar com as máscaras de gaze, que usavam para não inalar qualquer minúsculo inseto. Para todo canto onde olhava, Pam via renúncia, sacrifício, limitação e resignação. O que foi feito da vida? Da alegria, do entusiasmo, da paixão, do “aproveite cada dia?” Será que a vida era uma tal angústia que deveria ser sacrificada em nome da calma? Talvez aquelas verdades fossem verdades adequadas há 2.500 anos antes, num lugar oprimido pela pobreza, superpopulação, fome, doença, opressão das castas e falta de esperança num futuro melhor. Mas seriam verdades para ela, agora? Será que Marx não estava certo? Será que todas as religiões fincadas na libertação ou numa vida melhor depois da morte não visavam os pobres, sofridos e escravizados?

Após dias de silêncio absoluto, Pam começou a falar muito consigo mesma. A descrença atrapalhava agora a meditação. E de repente viu tudo claramente: Seu ex-marido, uma grande criança, os lábios grossos querendo sugar qualquer bico de peito ao seu alcance. E seu ex-amante, fraco, pobre, pusilânime, que vivia no sim e no não ao mesmo tempo. Todos covardes. Covardes morais. Desde o primeiro da fila, namorado bobão da adolescência, que deixou de freqüentar uma boa universidade longe, para ficar numa mais próxima aos pais; um eterno professor-assistente, resignado com sua situação veio após, seu ex-marido falso, cheio de conquistas baratas e falas decoradas; o ex-amante covarde demais para ficar com ela e largar um casamento que já tinha acabado. Nenhum deles a merecia. Puxou a descarga neles, uma enorme privada! Gostou da imagem.

E aí lembrou do filha-da-puta de um professor, que havia lhe tirado a virgindade, causado ruptura numa amizade de longos anos com sua prima, para sempre. Interessante, bonito, inteligente, um jeito de fazer sexo, muito tesão, fazendo o que ela queria, arrancando suas calcinhas, sufocando-a com todo aquele corpo. Falando sério: ela tinha adorado. Um intelectual, com vasto conhecimento da história do pensamento ocidental, além de ótimo professor, talvez o melhor que ela tenha tido. Mas havia sido o grande sacana da sua vida: tinha largado dela, após alguns encontros. Sem motivos. Gostava de gente que abraçava a vida, e se irritava com pessoas que encolhiam frente a ela. Pam podia ter gostado desse sacana, porque foi o homem mais bonito e interessante que tinha conhecido. Ligou e escreveu várias semanas para ele, depois que ele não quis encontrá-la mais. Ela sentiu de todo coração que podia tê-lo amado. De verdade.

Percebeu que com isso vinha em letras graúdas o que deveria ser sua meta: viver a vida intensamente, no presente, cheia de desejo, paixão e Amor. Sem perder a identidade. Sem perder nenhum minuto a mais... Porque era isso que a preenchia.

sábado, janeiro 14, 2006


Ganesha:.

Esse deus tem vários outros nomes: Vighnesvara, Vinayaka, Gajanana. Ganesha era famoso por seu apetite. Basta ver sua enorme barriga. Uma vez, foi a um banquete, e se empanturrou tanto com doces chamados laddoos que não conseguiu ficar em pé, e perdeu o equilíbrio, caindo. Sua barriga estourou, deixando sair todos os laddos. Era noite, e a única testemunha disso foi a Lua, que achou muita graça. Irritado, Ganesha amaldiçoou-a e expulsou-a do Universo. Mas o mundo lamentou a falta dela, e os deuses se reuniram e pediram a Shiva, pai de Ganesha, que mandassem o filho perdoar a Lua. Ela também se desculpou, e Ganesha mudou a maldição: a lua teria que ficar invisível, um dia por mês, parcialmente visível o resto do mês, e só aparecer cheia, em todo seu resplendor, em apenas um dia. Mais interessante ainda é a imagem de Ganesha, pois tudo nele tem um sentido, uma lição. A grande cabeça de elefante é para pensarmos muito. E as orelhas grandes para ouvirmos mais. Os olhos pequenos lembram de nos concentrarmos, e a boca pequena, de falarmos menos. Só tem uma presa: fique com o bom, jogue fora o ruim. Segura numa das mãos um machado, para cortar todas as ligações, os apegos. E na outra mão, uma corda, para manter a pessoa próxima de sua meta. O veículo que usa, sob seus pés, é um rato. Significa o desejo, e quer dizer que você só pode montar no desejo se você o controlar, senão ele causa destruição.

Ps.: Sobre PAM, vá para Budapeste, Estrela-Bailarina.

Sinais de fumaça:.

Não é hora para recriminações inúteis. Todo mundo tem, na sua história, uma culpa e um engano; e quem sabe, esse engano talvez fosse a oportunidade de “felicidade”, por isso o fardo da culpa. Mas a maré sempre vira, e tudo volta. Para isso, há que se ter dentro de si uma espécie de determinação. Ninguém pode fazer recuar a maré, pelo menos, não para sempre. O que podemos é resistir. Nas enchentes, secas, com ano negro ou tempestade violenta, escuridão e solidão, nada pode nos derrubar, se estivermos unidos. Se tivermos juntado pessoas a quem amamos ao nosso lado. Focados todos numa meta... Tentar acabar com a união de pessoas que realmente se amavam era como cuspir contra o vento. O amor não consegue ir muito longe sem estar completo...

Nietzsche uma vez escreveu que a maior diferença entre um homem e uma vaca, era que a vaca sabia como existir, como viver sem angústia (isto é, sem medo) no bendito presente, sem o peso do passado e a preocupação com os horrores do futuro. Mas nós, humanos infelizes, somos tão perseguidos pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente. Sabe por que sentimos tanta saudade da maravilhosa infância? Segundo Nietzsche, porque foi a única época despreocupada, ou seja, sem preocupação antes de termos lembranças tristes e graves do lixo do passado. Já Kierkegaard dizia que algumas pessoas têm “duplo desespero”: grande parte do sofrimento desta pessoa vem por sentir desejo, realizá-lo, ter um instante de saciedade que logo se transforma em tédio e, por sua vez, é interrompido pelo surgimento de outro desejo. Schopenhauer achava que era essa a condição humana universal: desejar, saciar-se, entediar-se, e desejar outra vez.

Às vezes ficava angustiado ao pensar em sua satisfação física com sua mulher, os momentos realmente idílicos e sublimes da vida tinham surgido e acabado sem que ele aproveitasse de verdade. Nos dez anos seguintes ao acidente de carro que tinha levado sua mulher, sentiu mais carinho por ela do que quando era viva. Mesmo naquela hora, não conseguia pronunciar seu nome rápido, tinha de fazer uma pausa em cada sílaba. Sabia também que não se interessaria muito por nenhuma outra mulher. Várias tinham afastado a solidão dele por algum tempo; mas logo percebeu e elas também que jamais iriam ocupar o lugar de sua mulher. Estava triste por não ter conseguido apreciar o que tinha no momento em que tivera. Quando jovem, sempre considerou o presente como uma preparação para algo melhor que aconteceria no futuro. E então os anos se passaram, e ele começou a fazer o contrário: mergulhando na nostalgia, e não conseguindo valorizar cada instante. Esse era o problema com a idéia do desapego para ele – gostava da idéia de ter se apegado ao presente, saboreado todos aqueles minutos.

{baseado em A cura de Schopenhauer}

quarta-feira, janeiro 11, 2006


Mais da sempre mesma:.

O que me define, me desafina... muitas vezes!
Amo minha vida. Mas também amo encrencar com "coisas bobas", do tipo fazer o outro ficar furioso como um taurino maluco! Só pra depois "zoar" do estilo zen que o querido mantinha há tanto tempo. Amo a Espanha, por livros e história, amo minha família, e amo o que sou hoje, e tudo aquilo que já passou pela minha vida. Amo também aquela tristeza sentida, aqueles dias amargos, as lágrimas que rolam pelo desgosto de ter acreditado em gente que "fala, e não condiz com as palavras". Sou de lua, de estrela, sou do céu e da terra... às vezes caramujo, em silêncio, pensamento longe, olhos no horizonte e coração ao léu. É, amo aquele Amor ainda, gosto de deixá-lo em lugar separado, relembrar o único beijo que roubei. Sou uma mulher, mas a menina-que-mora-aqui-dentro manda em tudo: adora sentar-se no meio-fio, não liga para sociedade e costumes medievais hipócritas, chora por muita besteira, e fecha o coração quando a dor é demais. Gosto de dirigir, mas na primeira curva eu durmo, porque amo mesmo é "dormir". Sou preguiçosa, sim. E muito! Nada a ver com horários, nem tenho relógios. Como Carlos Drumond, tenho plena certeza de que "A dor é inevitável; mas o sofrimento é opcional.” Amo muito mais Amar.

Adoro o mar, meus amigos, sentar a bunda em qualquer boteco, jogar conversa fora. Já amei alguém que se foi, e pedi muito pra ir no lugar dele: não adiantou, a morte não aceita trocas. Sou levada, sou louca, sou uma pessoa legal. E franca, medrosa e destemida, alegre e irritada, apaixonada pela vida, brincalhona, séria, paciente, impulsiva, grossa, dócil e querida por natureza. Não tenho a menor pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim... e nem quero e pretendo me explicar sempre, já que nem eu chego a me entender por completo. O que é crucial são pessoas que condizem comigo: pessoas verdadeiras, amigas, fiéis. Não se preocupem se eu não fizer a falta que alguns de vocês fazem, o importante pra mim é saber que eu, em algum momento, estive ali, em uma hora insubstituível. Pra mim cada momento é mágico e é melhor vivê-lo, porque ele não volta atrás!

Tenho tentando buscar menos e acreditar mais em mim. Não criar expectativas, e realizar meus sonhos. Acredito em Deus, Deusa, Nossa Senhora, e "estou certa de que, enquanto estiver aos cuidados dessa força de fé que me sustenta, aquilo que pareceu morto não estará morto, aquilo que pareceu perdido também não estará mais perdido, aquilo que alguns alegaram ser impossível tornará nitidamente possível, e a terra que está hoje sem cultivo estará apenas descansando - à espera de que a semente venturosa chegue com o vento, com todas as bênçãos Universais. E ela chegará". Porque "Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Mas aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra frente... tudo vai ser diferente!"

terça-feira, janeiro 10, 2006


Schopenhauer:.

Se os homens vivessem no país das fadas, onde nada exigisse esfôrço e onde as perdizes voassem já assadas e recheadas ao alcance da mão, num país, onde cada um pudesse obter a sua amada sem dificuldade alguma, êles morreriam de tédio ou se enforcariam, outros despedaçar-se-iam entre si, causando-se maiores males que os impôstos pela natureza.
{Arthur S.}

Será por isso que o indice de suicidios nos países de primeiro mundo seja muito maior do que aqui, no Brasil? É preciso mesmo a dor, para suportar a vida? Bem, sempre sinto saudades da tristeza, quando muito feliz estou.

terça-feira, janeiro 03, 2006


O amor é:.

ELE coloca o amor como "uma térmica". Eu mal terminei o texto - sempre detestei térmicas. Na escola, quando era obrigada a levar, deixava-a atrás das hortênsias azuis que contornavam a casa. Ninguém nunca reparou... Quando foi optativo, disse um não veemente. Também a maçã, a outra opção. E após isso, na era do dinheiro, já tinha passado tanto tempo sem lanche pela manhã ou pela tarde, que guardava "fortunas" para gastar depois. Não tinha mais anseios de consumir, ou desejos por pastéis de vento, cheios de óleo, refrigerantes ou doces que traziam anéis de vidro. Se o amor fosse uma térmica, no meu olhar, eu jamais amaria. Minha térmica derramava, molhava o que não devia, "exalava mau-cheiro", era rotulada com personagens que não gostava... Era realmente uma coisa lamentável de se ter. O pior: de ser obrigada a ter. Até hoje não posso ver térmicas na frente. Só salvam-se as de inox, com café feito na hora. O resto... Bem, eu AMO uma máquina de café. Meu Amor é moderno. Para mim, amor é...


Isso. Ele vem, vai. E se fica, sobra uma enorme cicatriz. Amores-pra-sempre são assim: feios, cheios de histórias de lágrimas e mágoas, mas viventes. Perduram, porque existente sentimento. Não importa o que ocorre por fora, mas o que rola por dentro. Vida e Amor.

Mina Loy:.

Mina Loy by Ray
Mina Loy por Cornell
Mina Loy (1882-1966) nasceu em Londres, onde estudou artes plásticas, tendo obtido algum sucesso com suas pinturas, que chegaram a ser expostas no Salon d’Automne em Paris. Em 1916 mudou para a América, onde conheceu Marcel Duchamp e o grupo Dadá de Nova Iorque. Extremamente controversa, foi rotulada de futurista, dadaísta, surrealista, conceitualista, modernista e pós-modernista. Excêntrica, “difícil” e visionária, tinha entre seus admiradores Ezra Pound, Marianne Moore, Gertrude Stein e William Carlos Williams. Publicou apenas dois livros e tornou-se reclusa nos seus últimos anos de vida. Morreu em 1966, antes de terminar uma biografia sobre Isadora Duncan. Uma mulher de fibra.

Escol:.

man ray photo
Destesto este termo: "escol". Sempre que me deparo com ele, lembro de um ex, idiota o suficiente para se classificar, como ele mesmo dizia, nessa classe, por conseguir ler e adquirir cultura autodidaticamente (porque de outra forma, era uma nulidade, a pressão de ter que conseguir o sufocava e o amedrontava). Mas confesso - são as melhores pessoas para se exercitar, no jogo de xadrez. Verdadeiros peões. Jamais acreditam que serão traídos, que serão reeducados, que serão punidos, que serão encarcerados... jamais acreditam que alguém irá contra eles; porque verdadeiramente colocaram "na barriga" que o mundo pertence a sua classe. Até que um dia, como ocorreu ano-passado, vêm um tsunami, e arrasa tudo. Não deixando nada. Nem ao menos a referência ao parentesco jurídico. Comprovadamente, todas as manhãs vem sempre notícias da capital - mais um ponto. E dia 06, um dia de tanta sorte...

segunda-feira, janeiro 02, 2006


Criar é Recompor:.

Fico muitos dias longe de computador: eu gosto de escrever a mão, e queria mesmo era um lap-top pra levar pra cama, e digitar deitada. É assim que eu gosto de fazer qualquer coisa - na hora, não deixar ruminando. Eu gosto de ler Carpinejar, só pra poder dizer coisas que sinto, com palavras de outro. Porque dizem que assim sempre existe a desculpa de ousar colocar a culpa nele. Ele, que não compro seus livros, porque ainda tento decifrar seu pai e sua poesia pra fora. Ele, que parece tanto com Frida, criando pra dentro. E lá no blog dele, uma carta de intenções, e um post da mesmice da segurança de sempre ser ele. É a conjugação desses dois que eu quero nesse ano, mais a conquista da sua irmã mais velha: quero o primeiro lugar no concurso que desejo, no Estado que sonho, na cidade que Amo. Que eu me lembre do quanto sou feliz, enquanto estou aqui; e do quanto falta pra eu conseguir, e deixe de só realizar planos. Porque esse ano de 2006 o que eu não quero é que seja um "re" de nada. Apenas começos. Não quero mais a segurança e estabilidade de sempre, mas o sonho realizado e postergado há quatro anos.

E é muito mais fácil colar, do que inserir o que vai por dentro. Dói menos. Nem sempre fixamos o tempo por aquilo que está na carne. Nossa alegria costuma ser limitada a um horário, a uma realização, a uma situação de fora. Não a um sentido maior de convivência, de descoberta pessoal. Confundimos estar alegre com ser alegre. E o ano não muda se acreditarmos que alguma coisa deve acontecer para ser feliz. Nada precisa acontecer para que a felicidade venha. Ela já deveria estar dentro despertando a delicadeza. Não pode ser condicionada a um plano profissional, emocional e de saúde. Não será a lentilha ou a roupa branca que determinarão a conduta. O que passou não acabou - ainda é. Ciscar para trás pode ser mais verdadeiro do que andar para frente.

Assim, 2006 tem ar de "liberdade". Não me interessa o quanto "é bom ser bom", o que é interessante é lutar pelo que é bom, e pelos seus direitos, eticamente. Quero ser egoísta, discutir o que tenho certeza de que é a verdade nua e crua, quero passar por cima daquilo que já está pisoteado e arruinado, porque não é meu dever ajeitar nada que realmente "não vale nada". Também quero apagar certos ódios e passar borracha em passado tenebroso, não me interessa mais nem reconhece-los como "erros". Não vou continuar no mesmo endereço; mas garanto que continuarei com os mesmos olhos tristes, transparentes e que insistem em dizer tudo o que passa por dentro de mim. Continuo com a respiração cortada por suspiros; mas aboli bebidas alcóolicas. Continuo fascinada por sapatos, e com a maior das intenções de poder comprar todos que me apetecerem o desejo. Continuo lendo três ou mais livros ao mesmo tempo, fazendo três coisas ao mesmo tempo, e dormindo quando tudo isso me cansa. Continuo usando caneta bic, porque é transparente e sempre me deu sorte. Continuo escolhendo os caminhos mais longos para demorar mais pra chegar. Continuo com o mesmo CPF. Continuo com esperança. Continuo apaixonado por antiquário, por recortes e por diários. Continuo amando e entendendo que Amar é se fazer entender. Continuo fulminado de paixão por gatos persas. Continuo sem achar meus óculos de sol, e sem a menor intenção de comprar outros, sem você por perto. Continuo escolhendo as poltronas do ônibus pelos números que representam meu momento. Continuo a ser puxado pelo vento, continuarei a me perder entre textos e reticências e talvez, continue a ser hoje aquilo que não fui nunca. Continuo provocando. Continuo a procurar sinais. Continuo a fugir das fotos. Continuo aguardando as férias. Continuo trabalhando de tarde. Continuo cortando as unhas depois de roê-las. Deixo tudo no mesmo lugar para facilitar que volte ou venha a me encontrar. Não existe como andar de mãos dadas se partirmos em direções contrárias.

Continuo a achar que, quando a gente quer muito uma coisa, a gente consegue. Passar em primeiro. Achar um endereço. Ganhar um direito, e angariar uma justiça. Continuo firme na crença de que, quando a gente ama, o tempo nem existe: e tudo pode ser começado. Num novo Estado. Com a presença de uma Orquídea.

Heróis.