sexta-feira, dezembro 21, 2007


FÉRIAS.


FÉRIAS! ATÉ... ENFIM!


Não deu para comprar presentes para todos; mas o jegue aguentou para o suficiente daqueles a quem amo. Como diz aquele ditado: não importa o tamanho, nem o preço. O que revela o carinho é o como, a singularidade, a lembrança.


Hora de agradecer por 2007, que está findando... Excelente, em vários momentos. E como são desses que quero compor o ano que vem, ouso recortar o resto. Que Deus nos conceda aquilo que é, por direito, de nosso caminho.

FELIZ NATAL, E ANO-NOVO TAMBÉM!

Planos pra Vida Inteira.

Distraído, tomava café em uma das mesas de fora de uma conhecida cafeteria, rotina e hábito das minhas manhãs, quando senti que tocavam minha mão. Quase cai da cadeira ao me deparar com uma velha cigana. Posso? E por não conseguir pronunciar um não categórico a tempo, minha palma foi ali, analisada, exposta, com direito inclusive a sina. Dentro de uns dois anos casará com uma fulana que lembrará algum amor de seu passado, e terá mais um filho. Prepare-se todos os dias, quando sentir que está amando, pois o sentimento te fará fugir tanto quanto o meu povo, e como nós, andará perdido, até aceitar que o único modo, depois de amar, é viver o que sente, aceitando inclusive a possibilidade de ser feliz. Porque tu és um homem que merece isso, doutor. Ser feliz. Fui puxando a mão, abrindo a carteira, e a cigana já ia longe. O que deixou, nunca mais saiu de mim.

Não se pode viver duas vezes, nem temos direito a dois destinos diferentes. A vida não fornece borracha para apagar. O vivido não tem conserto. Pode melhorar-se o que vem pela frente, mas o passado é irreversível. Sempre há esperança, mas os anos perdidos, jamais serão recuperados. É uma idéia aterradora essa... Significa que cada passo fará parte da nossa história, que o carregaremos para sempre, com todos os nossos desejos, pensamentos e ações. Por outras palavras, somos o nosso passado. Meu pai pregava sobre as consequências de cada ato e a responsabilidade que nos cabe na ordem espiritual do Universo. Dizia que tudo o que fazemos volta a nós sempre, mais cedo ou mais tarde pagamos pelo mal, e nos beneficiamos com o bem. Tenho a certeza de que não precisei fazer grande esforço para recordar as palavras da cigana, quando Ela enfim, apareceu. Mas não há necessidade de confessar o que ninguém pergunta...

A vida é uma soma de ironias. Quando vi desintegrar-se minha família e eliminei uma boa parte das minhas relações, a solidão deixou de me atormentar. Depois, quando desmoronou-se o castelo de cartas do meu escritório e fiquei arruinado, experimentei pela primeira vez, verdadeira segurança. E justamente agora, quando deixei de procurar uma companheira, aparece Ela e me obriga a plantar roseiras em terra firme. Verifiquei que, no fundo, o dinheiro nunca me interessou tanto como eu quis acreditar; os cobiçosos propósitos não passavam de um equívoco e, muito dentro de mim, suspeitei disso, sempre. Os triunfos aparentes não me enganaram, a verdade é que me perseguia sempre uma vaga sensação de fracasso. No entanto, demorei uma eternidade até aceitar que, quanto mais acumulava, mais vulnerável eu era, porque vivo num meio onde se machuca a mensagem contrária. Requer-se uma tremenda lucidez, para não cair nessa armadilha. Eu não tinha, foi necessário afundar-me, até tocar no fundo, para adquirir.

No momento da queda, quando não me restava nada, descobri que não me sentia abatido, mas livre. Compreendi que o mais importante não tinha sido sobreviver ou ter êxito, como imaginava antes, mas a busca da minha alma deixada para trás, nos areais da infância. Ao encontrá-la, soube que esse poder, pelo qual desperdicei tão desesperados esforços, sempre esteve dentro de mim. Reconciliei-me comigo mesmo, aceitei-me, com um pouco de benevolência, e então tive o meu primeiro assomo de paz. Creio que esse foi o instante precioso em que tomei consciência de quem sou na realidade, e senti-me, por fim, controlando o meu destino.

O resto? Bem, já deves conhecer, porque minha sina foi dita e escrita. No dia em que eu a conheci, pediu-me para que contasse a minha vida. É longa, avisei. Não importa, tenho muito tempo, disse Ela, sem saber o sarilho em que se metia com este plano infinito. Se valeu a pena? Cada momento compartilhado com ela, e com meus filhos, me fazem ter a certeza de que minha alma é grandiosa.

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O destino é um caminho que exige muito. Tudo, vezemquando, teria afirmado Isabel Allende, esta autora do texto acima, e que detém histórias reais e bem práticas, de homem-da-vida com passado e presente atribulado, plano infinito com direito a sarillo, e, finalmente, de amores que acontecem, pra-vida-inteira.

Desvelo.

Para o ano que vem, quero contar uma estória. Contar as coisas do passado, do jeito - quem sabe? -, do Rubem Alves. “Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balanço, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com os outros acho que nem não se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. Assim é que eu acho, assim é que eu conto. O senhor mesmo sabe; e se sabe, me entende. Toda saudade é uma espécie de velhice”.

Quiça Possa contar estórias sem respeitar o tempo e sem respeitar o espaço. Juntar aquilo que aconteceu longe, e o que se passa em meninice. Alinhavar junto com o que se sonha passar na velhice. Só o espaço e o tempo da saudade, coisa do desejo...

Estória tecida sobre uma trama de fios invisíveis. Os olhos magicamente transformando as palavras... um relato de amor. O único objetivo, sentir saudade, apontar para as ausências, seduzir... O que valerá é a lógica do desejo, aquilo que o amor ajuntou, chamando das distâncias do tempo e das lonjuras do espaço. A verdade não se encontra naquilo que foi dito mas no como foi dito. É neste como que se aninham os mundos.

Contar uma estória como Rubem Alves é fazer exercício de saudade. E também de esperança. O que se deseja é reencontrar, no futuro, uma amostra de felicidade que se experimentou no passado.

Talvez esteja aí o fascínio da escrita.
Talvez aqui o sonho impossível para eu começar...

Valeu a Pena.

"Cecília Meireles entendia: Muitas velas, muitos reinos, âncora é outro falar, tempo que navegaremos não se pode calcular... Não é possível derrotar o mar absoluto com os remos que temos nas mãos. É preciso fazer como quem navega: levantar as velas, direcionar o leme, e deixar-se levar pelo vento misterioso da vida...

(...)Valeu à pena?

Tantos rochedos, tantas tempestades, tantas velas rasgadas e recosturadas, tantos mastros quebrados e consertados... Valeu a pena? E eu senti, na sua pergunta, uma outra mais terrível – se não teria sido melhor ter naufragado...

(...)Valeu a pena?

Faz muitos anos eu li o livro Lições de Abismo, de Gustavo Corção. É a história de um homem, nos seus 50 anos, que descobre que tem apenas mais seis meses de vida. Sem tempo para construir o futuro, ele olha para trás, na tentativa de ouvir alguma melodia que se tivesse anunciado em meio às dissonâncias de sua vida. E se perguntava: Valeu a pena? Que bom seria se fôssemos como uma sonata de Mozart, só 20 minutos, mas nesses minutos tudo o que é para ser dito, é dito!

Coitado! Ele não percebeu que a vida de alguém não se mede pelo número de anos vividos, da mesma forma como a beleza não pode ser medida pela duração da melodia. Beethoven disse tudo o que era para ser dito em 50 minutos. Mozart dizia o essencial em 20 minutos. E Milton Nascimento faz a mesma coisa em quatro minutos. A Adélia Prado precisa apenas de 30 segundos.

Blake dizia que a eternidade mora num grão de areia e pode ser contida na palma da mão. Com o que Borges concorda: A vida é feita de momentos.

Valeu a pena?

A sua pergunta está respondida nos curtos momentos da Nona Sinfonia. Curtos, mas destinados à eternidade. Cada momento de alegria, cada instante efêmero de beleza, cada minuto de amor, são razões suficientes para uma vida inteira. A beleza de um único momento eterno vale a pena de todos os sofrimentos.

agradeço à vida, que me deu tanto,
me deu riso e me deu pranto...

Violeta Parra, Chile.

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Rubem Alves, Teologia do Cotidiano

segunda-feira, dezembro 17, 2007


Te trataré como a un rei

Do que mais gosto nessa vida é das surpresas. Das multifacetadas personalidades que antevejo em pessoas que amo. Do silêncio que diz tudo, e ao mesmo tempo, provoca turbilhões de pensamentos. Apesar de dizer que sou muito daquilo que o Outro é, somos bem diferentes quando interpretamos alguma coisa. E isso, longe de provocar tensão, deixa um vislumbre de contentamento, afinal deve ser um tempo triste aquele onde não há mais nada a incitar sorrisos, surpresa, alegria ou admiração. A realidade é sempre assim, paradoxal, incompleta, descuidada. Só quem vive de sobreviver tem uma vida metodicamente organizada.

Demoradamente, páro para ficar admirando-o. É gostoso vê-lo ali, em silêncio, querendo dizer algo, mas contendo tudo. Olhar para ele é como "se olhar para o céu, e em vez de prestar atenção em todas as constelações ali pré-ordenadas, houvesse apenas uma pequena luz a vislumbrar na imensidão, a estrela que ele carrega dentro de si". Não há onde eu não o conheça. Não há um pequeno detalhe que não tenha merecido minha exaurida atenção. E, mesmo assim, sua visão ainda é capaz de me fazer rir.

Coloco uma garrafa de vinho empoeirada em cima da sua mesa muito arrumada, e sirvo uma taça para Ele. Segure o copo pelo fundo, pelo pé. E olhe a cor contra a luz. O que você vê?" Hum... Vermelho. Não, tenta sentir e depois me falar o que imagina. Assim... Rubi, Granada, rubro escarlate... Não sei quais são essas cores, sem referência não posso enumerar nenhuma, moça. E o aroma? É forte? Cheiro de vinho, ora.

Vinho tânico, Ele como vinho deixaria leve sensação de aspereza na língua. Teria sabor resistente, e não ostentaria tanto perfume. Mas na boca... seria perfeito. Porque se a uva dá o tom ao vinho, o caráter e o coração dão o molde à pessoa. Cada pessoa tem sua peculiaridade, e só o sentimento possibilita compreensão.

Escrevo para um amigo, pequena história. Eu li o que você escreveu, e não gostei. É muito dúbio. Mas é porque o amigo é assim, a dubialidade em pessoa. Você não me colocou no meio de nenhuma linha. Você não falou de mim. Detestei ler aquilo. Mas a história não é minha, nem sua. É dele. E eu nem assinei, para que não ficasse parecendo carta. Era apenas interpretativa. Uma história dele para ele. Simples. Complexo isso. Quem lê, interpreta de outra forma. E os outros importam muito? De alguma maneira, sim. Gostaria de saber que você não fala somente para mim que me ama. De repente, são só palavras também. Entende isso? Às vezes é tão bom saber pelo outro o quanto somos amados pela pessoa que amamos. Deixa pra lá. Vou tentar falar sobre o que eu sinto, ok? Não é fácil.

Essa maneira de 'saber as coisas', de me perder nesse olhar múltiplo, caleidoscópico e livre sobre a vida, me desmancha. Levo acesa, como um sopro, o reflexo de seu olhar dentro do meu. Onde quer que eu vá, haverá duas interpretações, nenhuma delas tem importância maior - são complementares.

E depois dizem que a felicidade não tem história. Tem sim, o problema é que quando você conta, parece tão ridícula. Tenho que me lembrar de dizer que é por isso que me calo, e não falo sobre o que sinto. Tudo parece mais bonito dentro de mim, pra que estragar com a visão do outro? Depois, jamais escrevo para alguém poder me entender, mas para que eu mesma possa compreender. O que não se pode falar, é preciso silenciar, disse Wittgenstein, em sua celebérrima frase do Tractatus. Não, o que não se pode falar é preciso imaginar, é preciso sonhar, é preciso alinhavar e bordar do avesso toda a história. De resto, supero ano que vem.