segunda-feira, dezembro 17, 2007


Te trataré como a un rei

Do que mais gosto nessa vida é das surpresas. Das multifacetadas personalidades que antevejo em pessoas que amo. Do silêncio que diz tudo, e ao mesmo tempo, provoca turbilhões de pensamentos. Apesar de dizer que sou muito daquilo que o Outro é, somos bem diferentes quando interpretamos alguma coisa. E isso, longe de provocar tensão, deixa um vislumbre de contentamento, afinal deve ser um tempo triste aquele onde não há mais nada a incitar sorrisos, surpresa, alegria ou admiração. A realidade é sempre assim, paradoxal, incompleta, descuidada. Só quem vive de sobreviver tem uma vida metodicamente organizada.

Demoradamente, páro para ficar admirando-o. É gostoso vê-lo ali, em silêncio, querendo dizer algo, mas contendo tudo. Olhar para ele é como "se olhar para o céu, e em vez de prestar atenção em todas as constelações ali pré-ordenadas, houvesse apenas uma pequena luz a vislumbrar na imensidão, a estrela que ele carrega dentro de si". Não há onde eu não o conheça. Não há um pequeno detalhe que não tenha merecido minha exaurida atenção. E, mesmo assim, sua visão ainda é capaz de me fazer rir.

Coloco uma garrafa de vinho empoeirada em cima da sua mesa muito arrumada, e sirvo uma taça para Ele. Segure o copo pelo fundo, pelo pé. E olhe a cor contra a luz. O que você vê?" Hum... Vermelho. Não, tenta sentir e depois me falar o que imagina. Assim... Rubi, Granada, rubro escarlate... Não sei quais são essas cores, sem referência não posso enumerar nenhuma, moça. E o aroma? É forte? Cheiro de vinho, ora.

Vinho tânico, Ele como vinho deixaria leve sensação de aspereza na língua. Teria sabor resistente, e não ostentaria tanto perfume. Mas na boca... seria perfeito. Porque se a uva dá o tom ao vinho, o caráter e o coração dão o molde à pessoa. Cada pessoa tem sua peculiaridade, e só o sentimento possibilita compreensão.

Escrevo para um amigo, pequena história. Eu li o que você escreveu, e não gostei. É muito dúbio. Mas é porque o amigo é assim, a dubialidade em pessoa. Você não me colocou no meio de nenhuma linha. Você não falou de mim. Detestei ler aquilo. Mas a história não é minha, nem sua. É dele. E eu nem assinei, para que não ficasse parecendo carta. Era apenas interpretativa. Uma história dele para ele. Simples. Complexo isso. Quem lê, interpreta de outra forma. E os outros importam muito? De alguma maneira, sim. Gostaria de saber que você não fala somente para mim que me ama. De repente, são só palavras também. Entende isso? Às vezes é tão bom saber pelo outro o quanto somos amados pela pessoa que amamos. Deixa pra lá. Vou tentar falar sobre o que eu sinto, ok? Não é fácil.

Essa maneira de 'saber as coisas', de me perder nesse olhar múltiplo, caleidoscópico e livre sobre a vida, me desmancha. Levo acesa, como um sopro, o reflexo de seu olhar dentro do meu. Onde quer que eu vá, haverá duas interpretações, nenhuma delas tem importância maior - são complementares.

E depois dizem que a felicidade não tem história. Tem sim, o problema é que quando você conta, parece tão ridícula. Tenho que me lembrar de dizer que é por isso que me calo, e não falo sobre o que sinto. Tudo parece mais bonito dentro de mim, pra que estragar com a visão do outro? Depois, jamais escrevo para alguém poder me entender, mas para que eu mesma possa compreender. O que não se pode falar, é preciso silenciar, disse Wittgenstein, em sua celebérrima frase do Tractatus. Não, o que não se pode falar é preciso imaginar, é preciso sonhar, é preciso alinhavar e bordar do avesso toda a história. De resto, supero ano que vem.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial