Entrevista de Roberto Shinyashiki para a Revista Isto É, sobre seu livro "Heróis de Verdade".
Quem são os heróis de Verdade?
Nossa sociedade ensina hoje que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isto é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olham para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de Verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas, e admitir que erraram. Exemplos Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê, nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável, em São Vicente, SP, chamado Vila Margarida. Eles são Meus Heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito "100% Jardim Irene".
Triste RealidadeÉ pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população norte-americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio que homicídio, por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz sentir realizado, mas o faz se sentir seguro. Isto tudo resulta em paranóia e depressão, cada vez mais precoces.
Hipocrisia corporativaO mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento, onde é contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a autoestima do que a competência. (.) Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional, no programa "O aprendiz"? -
Qual é seu defeito?. Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal - eu mergulho de cabeça na empresa, preciso aprender a relaxar. É exatamente o que o chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder.
Modelo de gestãoO modelo de gestão que temos hoje cria pessoas arrogantes, que não tem a humildade de se preparar, que não tem a capacidade de ler um livro até o final, e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o "ter" conseguia substituir o "ser", o cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem "ser", nem 'ter", o objetivo de vida e tornou "parecer". As pessoas parecem que sabem, parecem que fazem, parecem que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.
A Necessidade de sermos perfeitos em tudo, de hipervalorizar a aparência.Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no palácio de Buckingham". Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Nós temos que parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo o mundo o considera um fracassado. O conceito muda quando a expectativa não se comprova, a verdade é que "a gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza". Não há nada de errado nisso.
Como se livrar da tirania da Aparência.O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São 3 fraquezas - a primeira é precisar de aplauso; a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Nós devemos desenvolver nossas próprias potencialidades, e não nos tornarmos cover de alguém com sucesso. Muitas pessoas tem buscado sonhos que não são seus, a sociedade quer definir o que é certo. São 4 loucuras da sociedade - a primeira é instituir que todos tem de ter sucesso, como se ele não tivesse significado individual; a segunda loucura é "você tem de estar feliz todos os dias"; a terceira loucura é "você tem que comprar tudo o que puder" - resultando em consumismo absurdo. A quarta loucura é "você tem de fazer as coisas do jeito certo - e jeito certo não existe.
Não há um único caminho para se fazer as coisas.
As metas são INTERESSANTES para o sucesso, mas não para a felicidade. Entenda que "FELICIDADE não é uma meta, mas um estado de espírito". Tem gente que diz que não está feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar. Quando era recém formado em São Paulo trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes, e eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz "Doutor, não me deixe morrer, eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz". Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de pequenas coisas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis.