terça-feira, janeiro 27, 2009


Ditados de Lado.

Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa:
- 'Ah, terminei o namoro... '
- 'Nossa, quanto tempo?'
- 'Cinco anos... Mas não deu certo... Acabou'
- É não deu...?


Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam. Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro?

E não temos esta coisa completa. Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama. Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel. Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador. Às vezes ela é malhada, mas não é sensível. TUDO, definitivamente, nós não temos. Perceba qual o aspecto que é mais importante pra você, e foco nele, ora!

Pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que ainda assim... é uma delícia! E às vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona... Se encontrou o tal "quimicamente apropriado", segure!

Acho que o beijo é importante... E se o beijo bate... Se joga... Senão bate... Mais um Martini, por favor... E vá dar uma volta.


Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não lute, não ligue, não dê pití. Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não. Existe gente que precisa da ausência para querer a presença. O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos, mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta. Nada de drama. Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro, recessão de família? O legal é alguém que está com você por você. E vice versa.


Não fique com alguém por dó também. Ou por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento. Tem gente que pula de um romance para o outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?


Gostar dói. Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração. Faz parte. Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo. E nem sempre as coisas saem como você quer... A pior coisa é gente que tem medo de se envolver. Se alguém vier com este papo, corra, afinal, você não é terapeuta. (ops, quase!)


Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.Na vida e no amor, não temos garantias. E nem todo sexo bom é para namorar. Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar. Nem todo beijo é para romancear. Nem todo sexo bom é para descartar. Ou se apaixonar. Ou se culpar.

Enfim... Quem disse que ser adulto é fácil?

terça-feira, janeiro 06, 2009


SAPATINHOS VERMELHOS

Meu sonho até os nove anos foi ter um sapato vermelho. Minha mae, teimosamente, à despeito do meu desejo sincero e dos inúmeros pedidos, não permitia a compra. Sua opinião era de que a cor era imprópria, não era adequada a minha idade, que "eu não tinha querer naquela idade"... Enfim, as justificativas mudavam-se, mas o "não" seguia sendo "não". Um dia, desisti. E lembro que passei ano-de-vontade, o olhar naufragando na vitrine com o sapato...

O tempo passou, fomos para Portugal. E lá, meu pai, que não sabia ainda que a regra na casa era de que 'eu não tinha querer', realizou meu sonho: comprou o sapato vermelho, vermelho carmim, de verniz. Cheio de bolinhas brancas. Ainda tinha uma longa fita de couro fina e vermelha, que me fazia sentir meio heroína quando cruzava a perna com ela. Tudo que eu amava nos meus pés. Esse sapato foi o auê na minha vida.

Com ele nos pés, me senti corajosa, e num ato rebelde, num salão de muitas estrelas em Lisboa, ousei mandar passar a tesoura no cabelo que descia até a cintura. Foi um peso a menos, lá se foi tanto cabelo. Lá se foram todo o choro. Naquele momento eu era feliz. Com meus sapatos vermelhos.

Às vezes basta a realização de uma coisa tão pequena, pra que portas enormes se abram em nossas vidas. Basta um gesto tão singelo, que à primeira vista pareça pouco e mero, para que uma crianca de dez anos comece a achar que "sim, o mundo lhe pertence", inclusive para se abrir e se ver como uma pessoa linda e passível de conquistar um belo principe. Viver algo assim faz a vida conquistar todas as cores. Porque mostra que a gente não precisa ser nada daquilo que não queremos. Mostra que às vezes a porta pode ser aberta por quem nunca teve coragem para tanto; e uma vez aberta, nunca mais ela se fecha, porque a gente escancara... se mostra, se gosta e se predispõe a ser feliz. Pra sempre.

SER. Feliz. Cinza, rosa, vermelha, até com bolinhas. Feliz em todas as cores. Uma vez a cada tom. Saber ser feliz com o presente que nos atém, porque dentro da gente tem algo que não tem cor. Tem aquele negócio que ainda chamam de Amor. Eu gosto de achar que nem palavra possui... aquela coisa de saber que encontrou o que procurou a vida inteira. Como eu um dia vi aquele sapato de verniz vermelho; como eu um dia senti... Nasci assim, sempre sei de certeza o que é pra ser e fazer feliz.

São tantos atos banais, que fazem outros felizes. Gosto, em especial, de como descreve o cotidiano, até mesmo uma situação caótica se torna interessante com sua descrição. Gostaria de ter mesma agilidade e presença de espírito para descrever como as coisas estão aqui, mas vai passar, tudo passa. Os dias tem sido longos, frios, cinzas, por sorte suas poucas palavras os colorem... Estou e ando meio aérea, meio sorrisos, meio voando, meia-asa, sei lá. Ando tão desbaratinada para poder por em palavras o que vai aqui por dentro. Acho que realmente estou aprendendo que o importante antes de tudo é sentir. E sentindo, pronto. A gente começa a gostar de sentir, sentir e sentir. Pra que mesmo palavras? ah, pra me fazerem ficar vermelha quando releio o que já lhe escrevi. Tu não és pra mim um planeta, mas uma constelação.

Com meu parco telescópio tive a oportunidade de contemplá-lo todo este tempo, mas sempre ciente da distância. Abandonar uma rosa nao significa desistir dela. Muito menos estar ausente quer dizer esquecimento. Apenas se vela longe, suavemente. Talvez porque deteste dizer adeus, e prefira até logo, porque tenho certeza. Sei que o destino brinca com a gente. Quero deixar aberta a porta do meu coração pra ti, e o mínimo que espero é uma amizade infinita, já que nada nos condena ou impede disso. Quero sempre estar em contato contigo, se voce permitir. Que mais dizer, dizer o indizível, o indescritível... talvez eu precise ir, depois de tantos NÃOS. Mas de talvez eu não sei; é de certeza o meu ser. A certeza de que você é homem da minha vida.

Reticências

Talvez seja a maior dor das pessoas hoje, o fato da gente viver rodeado de muita gente "ao nosso redor", mas poucas as pessoas que conseguem verdadeiramente diminuir distâncias. Quem disse que estar no meio de muita gente é garantia de ter alguém? São poucas as pessoas na vida que são capazes de nos deixar a vontade "pra gente ser o que é de verdade". São poucas as pessoas que conseguem diminuir ou fazer cessar nossa solidão. Porque a solidão só vai embora quando o coração consegue ser 'o que ele é, fazendo aquilo que ele quer', sem precisar mentir, inventar ou usar máscaras. São poucas as pessoas que conseguem trazer alegria e vida a outra pessoa que há muito tinha perdido o sorriso, e o sentido do riso. Dá pra contar nos dedos as pessoas que nos devolvem aquilo que perdemos em algum momento, e que há muito a gente precisava reencontrar - CORAGEM DE ACREDITARMOS EM NÓS MESMOS.

O milagre maior, e que muita gente precisa, é esse - Uma Pessoa-Jesus na sua Vida. Padre Fábio de Melo diz que o que mais o encanta em Jesus não é sua capacidade de ressuscitar os mortos, mas a sua capacidade de dar alegria aos vivos. Por isso ele acredita que há pessoas que são "Jesus" para outras pessoas. Pessoas que entram na vida de outra, de "sopetão", e devagarzinho vão se instalando, trazendo alegria e vida para quem há muito tinha perdido o sorriso e o sentido do riso. E, sem tecer planos ou mirabolantes táticas, se percebem vivendo um "milagre" naquele momento de suas vidas - "o de vivenciar Jesus" através do Amor. Essa pessoa que chega, conquistando sem querer conquistar, consegue afastar nossa solidão (mesmo quando ausente ou distante). Devolve aquilo que perdemos em algum momento de nossas vidas, e que há muito tempo sentíamos necessidade de reencontrar: "A coragem de acreditar em Nós mesmos". Meninos Jesus. Meninas Jesus. Homens Jesus. Mulheres Jesus. "Pessoas com a capacidade de trazer VIDA. Alegria".

Sabemos que muita gente "não gosta de expressar a crença em Jesus". Carolice, Beatice, ingenuidade ou burrice, são muitas as maneiras de taxar quem observa a fé em Deus. Então, o que temos, é uma centena de conceitos para a mesma coisa - Pessoas Jesus são "almas gêmeas", "almas irmãs", pessoas "predestinadas", ou simplesmente pessoas que conseguem tocar nosso coração através do Amor. E nos fazem voltar a viver.

Dizem que na China há um rio chamado Amarelo, e diferentemente de outros rios, ele acaba antes de chegar ao mar. Um rio só existe porque o destino dele é chegar no mar. E esse rio Amarelo não chega. Fico pensando que há muitas pessoas semelhantes a esse rio amarelo - já acabaram e não morreram. Ainda estão de pé, mas não são capazes de alimentar sonhos ou acreditar nelas mesmas. Já não se permitem ser felizes, já não tecem esperanças. Já se foram, e continuam vivendo. Já não são capazes de alimentar sonhos, de acreditar no amor, de confiar em Deus. Já não são capazes de acreditarem quando a oportunidade de uma pessoa Jesus acontece em suas vidas. Se acostumaram com as suas vidas. Só estão de pé, mas a vida mesmo já se foi há muito tempo. Até o amor vai embora quando a gente se acostuma. O costume mata a paixão. O costume mata o amor. Porque a vida, o amor, e a paixão, só sobrevivem de surpresa.

Muita gente olha pra você e diz "você não tem mais jeito mesmo", e isso faz você ir se acostumando com essa certeza de que "não tem mais jeito", de que "você é um caso perdido". Hoje eu não tenho outra coisa pra lhe dizer a não ser isso: O Deus que eu gosto de anunciar, O Deus que me dá alegrias todos os dias e que preenche meu coração "Não se cansa da Gente". "Deus ainda acredita em você". Deus só quer diminuir distâncias, paa que você não seja como o rio Amarelo, que acaba antes de morrer.

"Onde é que você vai com tanta pressa, se imaginando com tanta coisa pra fazer... Senta aqui, os seus olhos me revelam tanta sede, mas tem coisas que Eu não posso fazer, dependem somente do seu querer. O milagre se dá por duas vias: uma é minha, a outra eu deixo pra você". Não diga nada, silêncio é palavra que não faz segredo, se for preciso enxugo seu rosto, lágrimas são fragmentos de histórias que eu posso entender. Eu lhe vejo entrelaçado em tantos erros, machucando tanta gente sem saber... Não tarde em chegar, espero por você."

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Reflexão do Padre Fábio de Melo, show em Cantagalo - 19/07/07. Podem ter ocorrido alterações, as pessoas jamais guardam as palavras na mesma ordem em que foram proferidas. Talvez tenham sido preenchidas lacunas, em virtude do vazio da memória. Mas o sentido permanece o mesmo. Pelo menos é essa a esperança que eu cultivo.

glória a Deus sobre todas as coisas.

Arrematei textos do Caio Fernando Abreu, com mil fitinhas do bonfim que tenho por aqui - tudo em "ponto sombra", que é o avesso do bordado. Vezemquando, palavras de outros podem nos salvar do silêncio imposto.
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Guarde este recado: Algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. Sentir a falta do amor, isso atormenta. E sem amor, podemos caminhar, até sem dor, embora doa a ausência, profundamente e em segredo. Porque a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente, temos que continuar vivendo. Além do Amor, só esta coisa é fundamental (e dificílima): acreditar naquilo que lhe preenche. E continuar, e recomeçar... Porque “Quando achamos que temos todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas".

Aconteceram milhares de coisas que não tem espaço aqui pra contar. Coisas duras, tristes, perigosas, assustadoras, mas A Mulher seguia sempre em frente. Meio de saia-justa, porque tinham dito pra ela (uns amigos najas) que mesmo encontrando o Amor, ele podia simplesmente não gostar dela. E continuar invisível, apenas em seus sonhos (o que era o de menos), ou até fazer maldades horríveis com a pobre. Assustada, insegura, sozinha, cada vez mais faminta e triste, a mulher que acreditava continuava caminhando. Chorava às vezes, rezava sempre. Pensava no amor o tempo todo. E sem ninguém saber, sonhava. E em segredo, cada vez mais: acreditava, acreditava.

Um dia, chegou à beira de um rio lamacento e furioso, de nenhuma beleza. Alguma coisa dentro dele disse que do outro lado daquele rio poderia enfim estar com seu Amor. Ela acreditou. Procurou inutilmente um barco, não havia: o único jeito era atravessar o rio a nado, e permanecer, e resistir. Porque do outro lado, conquistaria o que tanto acreditava. Ela não era nenhuma atleta (ao contrário), mas atravessou. Chegou à outra margem exausta, mas viu uma estradinha boba e sentiu que era por ali. Também acreditou. E foi caminhando pela estradinha boba, em direção àquilo em que acreditava.

Então parou. Tão cansada estava, sentou numa pedra. E era tão bonito lá que pensou em descansar um pouco, coitada. Sem querer, dormiu. Quando abriu os olhos — quem estava na pedra ao lado dela? O homem-dos-sonhos, é claro. Aquele homem predestinado, nem tão grande, mas não pequeno, sem asinhas transparentes porque não era anjo, e com tudo a que o Amor diz que tem direito. Muito encabulada, ela quis explicar que não tinha trazido quase nada e foi tirando dos bolsos tudo que lhe restava: farelos de pão, restos de papel, moedinhas. Morta de vergonha, colocou aquela miséria ao lado de seu Amor.

Ele era comum, que nem a gente. A única diferença é que ele era também um Homem Que Acreditava. E uma vez que acreditava em clichês e sonhos, a mulher repetiu baixinho: “O vento agita a água porque é capaz de penetrá-la”. E agora pouco importa que ninguém — de certa forma, nem mesmo eu, que estou cá inventando esta história — entenda isso que se passou, amanhã ou ontem. Existe Amor, e para sempre, mesmo que esse amor sempre seja um misto de dor também.

O resto da história é que, de repente, a mulher estava num barco que deslizava sob colunas enormes, esculpidas em pedras. Lindas colunas cheias de formas sobre o rio manso como um tapete mágico onde ia o barquinho no qual ela estava. E acordou no mesmo lugar (o seu quarto) de onde tinha saído um dia. Era de manhã bem cedo. O homem-que-acreditava abriu todas as janelas para o dia azul brilhante. Respirou fundo, sorriu. E ao seu lado a Mulher-que-acreditava, sorriu ainda mais quando, sem esforço, lembrou do quanto já havia caminhado: quem acredita sabe encontrar.

Os homens já haviam esquecido, mas ela era responsável por aquele que cativara. E mesmo que muita coisa ainda estivesse faltando - porque algo sempre nos falta, ela compreendeu que o essencial era invisível aos olhos alheios: só ela poderia saber o que não poderia se ausentar, em meio a tanta falta. Não garanto que foi feliz para sempre, mas o sorriso dela era lindo quando pensou todas essas coisas — ah, disso eu não tenho a menor dúvida. E você?

ALGO SEMPRE NOS FALTA...

Texto muito bonito do escritor Caio F. Abreu.
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Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.

Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.

Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.

Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.

Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim: - ...mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca...