sábado, janeiro 14, 2006


Sinais de fumaça:.

Não é hora para recriminações inúteis. Todo mundo tem, na sua história, uma culpa e um engano; e quem sabe, esse engano talvez fosse a oportunidade de “felicidade”, por isso o fardo da culpa. Mas a maré sempre vira, e tudo volta. Para isso, há que se ter dentro de si uma espécie de determinação. Ninguém pode fazer recuar a maré, pelo menos, não para sempre. O que podemos é resistir. Nas enchentes, secas, com ano negro ou tempestade violenta, escuridão e solidão, nada pode nos derrubar, se estivermos unidos. Se tivermos juntado pessoas a quem amamos ao nosso lado. Focados todos numa meta... Tentar acabar com a união de pessoas que realmente se amavam era como cuspir contra o vento. O amor não consegue ir muito longe sem estar completo...

Nietzsche uma vez escreveu que a maior diferença entre um homem e uma vaca, era que a vaca sabia como existir, como viver sem angústia (isto é, sem medo) no bendito presente, sem o peso do passado e a preocupação com os horrores do futuro. Mas nós, humanos infelizes, somos tão perseguidos pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente. Sabe por que sentimos tanta saudade da maravilhosa infância? Segundo Nietzsche, porque foi a única época despreocupada, ou seja, sem preocupação antes de termos lembranças tristes e graves do lixo do passado. Já Kierkegaard dizia que algumas pessoas têm “duplo desespero”: grande parte do sofrimento desta pessoa vem por sentir desejo, realizá-lo, ter um instante de saciedade que logo se transforma em tédio e, por sua vez, é interrompido pelo surgimento de outro desejo. Schopenhauer achava que era essa a condição humana universal: desejar, saciar-se, entediar-se, e desejar outra vez.

Às vezes ficava angustiado ao pensar em sua satisfação física com sua mulher, os momentos realmente idílicos e sublimes da vida tinham surgido e acabado sem que ele aproveitasse de verdade. Nos dez anos seguintes ao acidente de carro que tinha levado sua mulher, sentiu mais carinho por ela do que quando era viva. Mesmo naquela hora, não conseguia pronunciar seu nome rápido, tinha de fazer uma pausa em cada sílaba. Sabia também que não se interessaria muito por nenhuma outra mulher. Várias tinham afastado a solidão dele por algum tempo; mas logo percebeu e elas também que jamais iriam ocupar o lugar de sua mulher. Estava triste por não ter conseguido apreciar o que tinha no momento em que tivera. Quando jovem, sempre considerou o presente como uma preparação para algo melhor que aconteceria no futuro. E então os anos se passaram, e ele começou a fazer o contrário: mergulhando na nostalgia, e não conseguindo valorizar cada instante. Esse era o problema com a idéia do desapego para ele – gostava da idéia de ter se apegado ao presente, saboreado todos aqueles minutos.

{baseado em A cura de Schopenhauer}

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