sábado, janeiro 28, 2006


Mulher que Ama:.

Casada, Amando outro

Aquela mulher ali, em meio a esta reunião social, tem um amante. Amante: palavra que já derramou sangue e até os anos 30 era proibida nos palcos brasileiros, conforme revelou, há tempos, Procópio Ferreira. Mas o que me leva a achar que ela tem um amante, se não sou seu marido, não sou sua melhor amiga, e, a rigor, a estou vendo pela primeira vez?

Talvez seja isso: quando as pessoas estão amando, os outros percebem. Aliás, quando estão desamando também. Certa vez vi uma amiga atravessar a Av. Atlântica às três horas da tarde e dirigir-se a um cinema, que hoje não existe mais. Não sei se era o jeito dela ir sozinha, havia nela alguma coisa que me fez chegar em casa e comentar: acho que fulana está se separando. Daí a dias veio a confirmação. Uma vez uma amiga me disse: "Antes que eu soubesse que estava grávida, percebi que algo amoravelmente diferente acontecia comigo: os homens me observavam mais e até me cantavam". É que uma mulher amada é uma fêmea que se denuncia e alicia outros amores entre os machos na campina.

Deve ser isto: para mim, aquela mulher ali no terraço, nesta festa ao entardecer, está exalando amor, um secreto e doce amor. Se alguém encostar o ouvido nas paredes de sua alma, ouvirá que ela canta. Há alguns meses já não é a mesma. Uma parte do mundo se acrescentou a ela. De algum modo ainda está perplexa com a situação, mas não chega a estar ansiosa. O que a intriga, por outro lado, é que de algum modo também ama seu marido, ou , pelo menos, não pensa em se separar nem em se afastar de sua casa. Se um anjo do Senhor com uma espada baixasse dos céus e lhe dissesse: "Escolhei aquele com quem deveis ficar", seria um suplício, pois, no fundo, ela sabe que são coisas diferentes. E necessárias. "Por favor, Senhor", ela vai rezando enquanto se dirige ao balcão e olha o mar, "não me obrigueis a esse esfacelamento, ensinai-me antes a coabitar com a minha ambígua felicidade".

(...)A festa vai transcorrendo. Estou passeando pelo passado, presente e futuro desta mulher sem que ela o saiba. Vai esse amor extemporâneo reaproximá-la do seu marido? É apenas um parêntese poético no prosaico da sua vida? Pode parecer estranho, mas há casos em que certos casamentos melhoraram depois desses episódios. Claro, outros desabaram de vez, outros se complicaram ainda mais, mas há casos de casamentos que melhoraram silenciosamente a partir daí. Sei que isto pode soar indecente, amoral ou sei-lá-o-quê, mas não invento nada, apenas constato.

É como se o outro tivesse ido lá fora aprender coisas sobre si mesmo. E nessa questão do aprendizado, seja ele escolar ou amoroso, a gente não aprende necessariamente aquilo que querem nos ensinar, mas aquilo que carecemos aprender.

Ali está ela. A festa continua, já começa a anoitecer, claro que para nós, não para ela, que está num momento luminoso de sua vida. Num momento também delicadíssimo e sem poder partilhá-lo com quem quer que seja. É que certas travessias têm que ser feitas a sós. E são elas que dão sentido à vida, ainda que provisoriamente.

Affonso Romano de Sant'Anna.

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