.:A vida muda muito rápido... lembro que uma vez, há tempos atrás, no auge do Brian Weiss, consegui inúmeros aliados-robotizados para o exército de crer que podemos "antever" se soubermos decodificar os sinais. E o meu livro - deste escritor - foi passando de mão-em-mão, já que os ditos não colocavam a mão no bolso para comprar livro; não eram leitores de nada, apenas "passíveis de ouvir de tudo". Um deles, após ler e reler o livro, me chamou num canto certo momento e disse: Num instante, eu estava com a cabeça no livro... e dirigindo na BR. A frase que podíamos antever algo, se soubéssemos "ver" os sinais começou a passar feito letreiro de cinema na minha mente, e eu "vi" as placas crescendo, na autoestrada, para eu diminuir a velocidade, para eu me conter na curva... Sei lá, acatei - e retirei do acelerador o pé-pesado que eu tenho. Resolvi ir bem tradicional, como meu pai, e quando eu cheguei na cidade, já havia a notícia de que instantes após eu passar por certo trecho, um carro, numa curva, tinha caído...Será que eu adiei a minha morte? Bem, é o que dá misturar o filme Premonição, com o livro do Weiss. Ele ficou tão fiel a teoria, que nunca mais devolveu o meu livro... É o que dá angariar multidões sem fundo. Do livro O homem perante a morte: A morte, mesmo quando súbita, ou acidental, dá sinais e avisos de sua chegada". Só o homem que vai morrer é que sabe quanto tempo lhe resta. Sina do Azul, um dia eu também me vi numa BR, e imaginava que correndo para outra paixão-criada, conseguiria colocar uma pedra no túmulo daqueles olhos-azuis que tanto me perseguiam - e que eu não queria e nem gostaria de suscitar qualquer indício de sentimento. Aguas profundas me apavoram... Ele sempre dizia que acordava pela manhã, olhava para o lado, e não via razões para levantar - "Acordo e sinto o cair da noite, e não o romper do dia". Sei, poema do Gerard Hopkins, mas a frase que eu ouvia ressoava inteiramente condizente com a profundeza dos olhos ardentes daquele azul-amor-confuso-e-sinistro. Naquele tempo eu me achava mágica, e acreditava que minha mente era passível de segurá-lo, se eu firmasse o compromisso de "ir com ele". Acreditava piamente que, engabelada e enozada em sua mão, mesmo que somente mental e espiritualmente, jamais ele partiria sem mim... e como imaginava que viveria até 120 anos, ele também poderia ir além.. Eu só precisava estar sempre bem, pra que ele pudesse voltar, e começar de novo a viver. Mas naquela tarde, correndo, com o pensamento a mil, eu esqueci destas promessas e compromissos tão reforçados - estava com o coração já em outro lugar, queria chegar logo, e como o outro colocou, começou a passar a cena do filme, não somente o letreiro. O sofrimento que eu passei não pode ser medido na distância que quase atropelei - vinha em ondas, aquela tristeza somatizada, a sensação de aperto na garganta, falta de ar, respiração curta, imensa dor, aperto no coração... e Ele, olhos-azuis tão nítidos, indo embora. O principal é que indo Ele, eu vi claramente que também ia. O carro rodou, mas parou. Peguei o celular, liguei para Ele e perguntei se ele estava bem. Eu vou embora, ainda bem que ligou, já digo adeus... Na minha prática mente, eu falei pra ele esperar um pouco (já me via indo-indo, horrível a sensação... eu tinha que avisar que, antes, eu precisava soltar da sua mão, mas como dizer isso a alguém que diz que está indo além? Eu só queria ficar. Bem, acho que o Infinito Mágico ajudou, 'tocaram a campainha por lá, e eu levei horas depois pra voltar ao normal. Os olhos dele, os olhos azuis dele - sempre me acompanham, porque creio mesmo nesse anelo, nesse selo, e sei que não solto a mão dele. Pra terminar esse relato bem confuso, já que me escamoteio pelas linhas e deslizo pelas letras, Beatriz por causa das cenas da novela da Nanda, morta no porão do hospital, chorando me pediu se eu podia sempre, mas sempre, estar com ela, nunca largar dela, jamais esquece de mim, poi favoi. Tudo bem, mais uma, lógico, sempre e prometo, vou estar com você. Sim, como o Antonio Jordão. Mais? Sim, fico no hospital, junto, não te espero no jardim-de-girassol. Mais do que isso? Sim, prometo que em nenhum momento te deixo sequer um minuto alardeada pela minha falta despreparada. Aí fico agora imaginando a roda circular das dimensões das vidas que se cruzam e se encontram - se o louco-de-olho-azul resolve rodar numa curva, eu vou junto, e além, carrego alguém comigo. O que me desafia é a crença da menininha no tal jardim encantado, cheio de flores amarelas - coisa que sempre tive em mente. Se for pra ir pra lá, tudo bem, eu-na-corrente. Na dúvida, não sei se já faço obituário, ou testamento particular - racionalidades de uma mente inquieta, pensando no poema que cansou de ouvir recitado. Verdade mesmo, eu sei que morreria mesmo se continuasse viva, se, num instante comum, acontecer qualquer coisa com esses dois amores-azuis. Não me perguntem o porquê, apenas sei. Tudo ficaria mais ou menos como exposto nesse poema. Tão onipresente e acontecendo dentro de mim, pra poder permanecer inflamada pela vida.A Ascensão de F6:.
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead.
Put crepe bows round the white necks of public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West.
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever; I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.
W.H. Auden
::::::
Numa tradução-sombria Minha,
Funeral Blue
Parem todos os relógios,
Desliguem o telefone,
Impeçam o cão de latir
a um osso suculento.
Silenciem os pianos e,
ao som abafado dos tambores,
tragam o caixão,
façam entrar as carpideiras.
Deixe que os aviões voem
em círculos, gemendo no céu,
e no ar deixem a mensagem: Ele Morreu.
Ponham laços pretos nos pescoços brancos das pombas na rua
e que guardas de trânsito usem finas luvas de breu.
Ele era o meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Enquanto viveu, meus dias úteis, meus finais de semana
Meu meio-dia, meia-noite, minha fala, minha canção;
Meu porto seguro nas tempestades;
Eu pensava em amor eterno,
que o amor duraria para sempre,
e estava errado!
Apaguem as estrelas uma a uma,
elas não são necessárias agora;
Desmantelem o sol e o coloquem, embalado,
acima da lua; Despejem o oceano-mar
por sobre as árvores, e livre-se da floresta;
pois nada mais será como antes.
Nada mais poderá ser bom
Como antes era.
::::::
O azul, de novo, imagem e cor recorrentes. O azul do mar, o azul do céu. Certos azuis do mar e do céu. Azuis onde me posso perder, onde gostaria de me perder. Não afogar-me no mar, mas de algum modo perder-me na sua extraordinária beleza azul, sobretudo nas zonas em que o sol lhe dá em cheio, construindo por sobre ele um canal de luz intensa. O azul, do mar e do céu. E a luz que a eles associo. A luz do sol sobre o mar, a luz laranja de um pôr-do-sol sobre o mar, a luz suave e aconchegadora que surge no céu no fim de uma tarde de intenso temporal. Azuis onde gostaria de me perder. Azuis que em mim se escondem e gostaria de fazer desabrochar. Perder-me nestes azuis. Necessidade de me perder neles para me encontrar. Necessidade de sair de mim para poder entrar em mim. Saber que sem o azul nada poderei fazer. Saber que tenho de aprender a descentrar-me de mim para poder ter finalmente paz e ternura verdadeiras. Confiar no azul e não em mim. Confiar nele, porque assinala com serenidade a existência da paz e da ternura, como nunca pensáramos ser possível existirem. Se deixar inteiramente de acreditar em Deus, acreditarei no azul. Confiar no azul. Confiar nele e não em mim. Não necessitar de confiar em mim porque o azul existe e só nele é preciso ter confiança, pois é por ele que o essencial passa. Ancorar-me no azul. Desancorar-me nele. Viver e morrer nele. No azul. Na luz de fim-de tarde depois do temporal de inverno. Não sou eu que vivo, é o azul que tenta viver em mim.
:.*Fátima, Dominus Iesus e demais obstáculos na procura de Deus. Vivemos perante o milagre e não o vemos. Será isso a simples felicidade, saber olhar além das tradicionais formas? Aquiescer à vida: talvez seja esse o maior acto de humildade que temos de realizar. E talvez seja esse o único modo de o espírito acabar por encontrar-se de fato no centro da sua humildade, como escreve S. João da Cruz na ilustração do seu Monte Carmelo. Talvez Maria Bethânia não cante outra coisa em ‘Tocando em frente: Ando devagar porque já tive pressa/E levo esse sorriso porque já chorei de mais/Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe?/Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei’. E o pouco que sabe é que É preciso amor para poder pulsar/É preciso paz para poder sorrir/É preciso chuva para poder florir. E sabe também que ‘Um dia a gente chega, no outro vai embora’ e que, nesse intervalo, Cada um de nós compõe a sua história/E cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz’. Dom muitas vezes difícil de fazer frutificar, capacidade que, também muitas vezes, parece escapar-nos por entre os dedos das mãos. Afinal, ninguém será tentado acima das suas forças, como afirma o cristianismo na versão de Paulo, ou o próprio Deus sabe que há para o ser humano ‘provas’ demasiado exigentes em que inevitavelmente sucumbirá, como afirma a psicanalista Marie Balmary? Lembro-me de um filme de Tarkovski em que, a certa altura, uma personagem pergunta, perante as suas angústias: ‘Porque é que Deus não fala?’. E respondem-lhe: ‘Deus fala sempre. Nós é que nem sempre o ouvimos’. Haverá dúvida de que é consolador ouvir estas palavras, se acabamos por acreditar nelas? Não pressupõem ou remetem elas para um qualquer sentido, mesmo que oculto de momento, mas que será encontrado se aprendermos a escutar melhor? E não provém daí uma certa sensação de apaziguamento com a vida e com tudo aquilo que nela nos ultrapassa e magoa profundamente?
A dor seria intragável, mesmo que inevitável.
Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.
Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.
**(tradução: Fernando Pessoa)
::::::
Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.
Adelia Prado, Pranto para comover Jonathan.
::::::
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
Hilda Hist.
::::::
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto, na vitrina do bric
o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
Obsessão do Mar-Oceano, Mario Quintana
::::::
Eu parto com o ar...
sacudo minha neve branca ao sol que foge
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus pés.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
Não obstante serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes;
O que não está numa parte esta noutra
Em algum lugar estarei a tua espera.
Epitáfio - Walt Whitman.
Credo in Deum.
-----------------
Tudo isso pra dizer que, mesmo que haja a necessidade de perder esses amores tão azuis, simples e abrangentes demais, também condizente a necessidade de atravessar junto. Porque tudo o que conheço e amo deixaria de existir. E como sou amor, não vivo em dor e desespero... Que me amarrem fortemente a eles, com laço vermelho, pra jamais ninguém quebrar o encanto mágico do amor. Pois que agora mesmo minha alma presente está ausente, junto aos Dias seus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário