terça-feira, julho 14, 2009


MULHER TAMANHO G.

Amando uma Mulher Avantajada
de Bruce Guberman

"Nunca vou me esquecer do dia em que descobri que minha namorada pesava mais que eu. Ela estava dando um passeio de bicicleta e eu em casa assistindo ao jogo, folheando as revistas em cima da mesinha de centro, quando encontrei seu fichário dos Vigilantes do Peso, uma caderneta do tamanho de meia folha de papel oficio, com anotações do que ela havia comido, quando havia comido, quais eram seus planos para o que iria comer em seguida e se vinha tomando os oito copos de água por dia. Lá estava o nome dela. O número de identificação. E o peso, que eu não cometerei a indelicadeza de revelar aqui. Basta dizer que o número me deixou chocado. Eu sabia que C. era uma garota grande. Sem duvida, maior do que as mulheres que eu via na TV, andando para lá e para cá de biquíni, aquelas magrelinhas que aparecem nas comedias e seriados médicos. Absolutamente maior do que todas as outras mulheres que eu namorei. Ora, essa!, pensei sarcasticamente. Do que as duas?

Eu nunca achei que fosse ficar a fim de uma gordinha. Mas quando conheci C., me apaixonei porque ela era muito espirituosa, tinha uns olhos brilhantes e um riso contagiante. Quanto ao corpo, resolvi que era uma coisa a qual eu poderia aprender a conviver. Os ombros dela eram tão largos quanto os meus, as mãos quase do mesmo tamanho. E dos seios até a barriga, da cintura para baixo, passando pelas coxas, suas curvas eram um deleite, convidativas. Abraçá-la era como chegar a um porto seguro. Como chegar a casa.

Mas sair com ela não era uma sensação tão reconfortante assim. Talvez fosse pela maneira como eu absorvia as expectativas da sociedade, os pressupostos do que os homens devem querer e das características físicas que as mulheres devem ter. Talvez fosse mais pelo jeito dela mesmo. C. era o próprio soldado nas guerras do corpo. Com um metro e setenta e oito, estatura de jogador de futebol americano, e um peso que a classificaria direto para a equipe profissional, C. não tinha como passar despercebida. Mas eu sei que, se fosse possível, se todos os ombros curvados e posturas constrangidas, todos os camisões pretos sem forma e sem graça, se tudo isso pudesse apagá-la do mundo físico, ela teria ido num instante. Ela não sentia prazer algum exatamente nas coisas que eu mais amava, no seu tamanho, na sua amplitude, no seu corpanzil suculento e carnudo. Por mais que eu lhe dissesse que era linda, ela nunca acreditava em mim. Por mais que lhe dissesse que aquilo não importava, eu sei que para ela importava. Eu sentia que a vergonha dela era algo palpável, que caminhava pelas ruas do nosso lado, sentava-se junto conosco no cinema, à espreita de alguém que viesse lhe dizer a palavra mais feia do mundo: gorda. E eu sabia que não era nenhuma paranóia. Estamos todos cansados de ouvir que a gordura é o último preconceito aceitável, que os gordos são o único alvo seguro neste nosso mundo politicamente carreto. Quem quiser saber se isso é verdade que arranje uma namorada gorducha! Vai ver como as pessoas olham para ela, e como olham para você por estar com ela. Quando resolver comprar roupa intima para lhe dar de presente no dia dos namorados, você vai ver que os tamanhos acabam antes de começar a numeração dela. Todo vez que saírem para comer, você vai vê-la sofrendo para escolher entre o que vai querer comer o e que vai se permitir, e entre o que vai se permitir comer e o que vai deixar que a vejam comer em público. E o que vai se deixar dizer.

Lembro-me de quando surgiu a história da Mônica Lewinsky e C., que é jornalista, escreveu uma defesa emocionada da estagiária da Casa Branca que fora traída por Linda Tripp, em Washington, e ainda mais traída pelos amigos de Beverly Hills, que não tardaram em vender as lembranças de ginásio que tinham da Monica para as revista Inside Edition e People. Quando o artigo dela foi publicado, C. recebeu um monte de cartas depreciativas, inclusive a de um sujeito que começava dizendo assim: “Dá para ver pelo seu artigo que você está acima do seu peso e ninguém a ama.” E foi essa carta, com aquelas palavras, que mais a incomodou, mais do que qualquer outra coisa que tenham dito. A ser verdade aquilo de estar acima do seu peso, então a parte em que ele diz que ninguém a ama também deveria ser. Parecia que ser “Lewinskyana” era pior que ser traidora, ou pior do que ser burra. Parecia que ser gorda era algum tipo de crime.

Amar uma mulher avantajada é um ato de coragem em nosso mundo, talvez até um ato de futilidade. Porque, ao amar C., eu sabia que estava amando alguém que não se acreditava digna do amor de ninguém. E agora que acabou, não sei para onde aponta a minha raiva ou mágoa. Para um mundo que a fazia sentir-se daquele jeito com relação ao seu corpo e a ser rejeitada. Para C., por não ser forte o suficiente para superar o que o mundo lhe dizia. Ou para mim mesmo, por não amar C. o suficiente a ponto de fazê-la acreditar em si mesma.

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