segunda-feira, junho 22, 2009


Tutto bonna.

Por favor, não me abandone, é o que penso quando vejo Lilly, já sentada na cafeteria, como se novamente estivesse de volta aos 7 anos de idade. No calor do abraço que recebo, sinto o nó do estômago se dissipar pelo menos um pouquinho.

Será possível?, penso. Mais um pesadelo? E mesmo com tudo às avessas, sinto certo alívio pela oportunidade de esquecer um pouco o que está ocorrendo na minha vida. Principalmente, o que está por vir. Pelo menos por alguns instantes, parar de pensar em passado, sonhos, destino e amor. Deixar de confabular sobre a vida que está à minha espera, ou na vida que vou deixar para trás. No homem maravilhoso com quem vou me casar, ou no motivo da minha falta de entusiasmo com esse casamento. Mais que tudo, traz um grande alívio conversar com alguém que saiba tanto sobe mim.

Lilly estava deslumbrante, como sempre, sentada na mesa de fora, já com o café a minha espera, e claro, o discurso pronto. Ainda não sei como ela sempre acerta, o que quer que atire contra mim, pensei, sentando-me rapidamente e me servindo de umas bolachas, numa tentativa de adoçar aquele momento.

- Você tem que perceber que nem tudo é ‘ferro e fogo’. Tente ser mais otimista. Veja por outra ótica, o café daqui sempre é uma bela porcaria, e hoje está maravilhoso! - Lily dá uma daquelas gostosas gargalhadas, que nos remetem a lembranças felizes.

- Você deveria ter visto minha cara-de-parede-caiada, quando desembrulhei o imenso pacote de presente do Cadi, e dei com sua trilogia moribunda favorita. Clube dos Mortos, Morta para o mundo, Absolutamente morto, Definitivamente morta, Todos mortos juntos, De morto para pior, Morto e distante... Estou com medo: você não acha que isso pode ser um sinal de que esta solução não me trará vida?

- Pare de se lamentar. Sinal? Meu Deus, Rachel, isso está mais para luminoso! Eu já teria aberto mão desse príncipe encantado, só pelas orelhas enormes que porta, como se fossem retrovisores. E com essa biblioteca... Mesmo que o cara seja rico, cheiroso, charmoso e completamente apaixonado por você, dá um tempo. Foge, como a noiva em fuga. Sei lá, dá um jeito, e cancela a festa de noivado!

- Está todo mundo tão feliz, como vou fazer isso? Estraga-prazeres, novamente.

- Melhor virarmos a página - e começa a rir, despejando o champagne que havia pedido, numa taça de cristal. - Toma. Um brinde ao que virá. Quem sabe reminiscências do passado não retornam?

Bebo de um só gole, e as borbulhas vão direto para minha cabeça. Dou outro gole. É de cortar o coração o esforço que ela faz para sorrir. Lily pressiona a mão coberta de jóias sobre o colo do peito, esquelético e sardento. Um gesto, presumo eu, mais valioso do que qualquer seqüência de adjetivos carinhosos. E pensar que um ano antes, era tudo tão diferente!

Normal, simples e real. Era o que eu lembrava. Das manhãs, quando tomávamos café e conversávamos antes de sair. Quando o nome dele aparecia na minha caixa de mensagens de pouco em pouco. Nas noites que folheávamos os menus de delivery, escolhendo o que pedir no jantar. Em cada massagem nos pés, em cada beijo, em cada vez que nos despimos juntos na penumbra. Eu fixei em minha mente todos esses detalhes. Todos os detalhes compreendidos nestes nossos dias juntos.

Ainda assim, quando Lilly voltou, eu estava de volta àquela encruzilhada, meu coração disparado novamente. De repente, me dei conta de que não importava o quanto eu estivesse feliz vivendo ao lado de Cadi, eu não iria esquecer daquele outro homem tão cedo, daquele aperto na garganta ao rever o semblante dele. Por mais que eu desejasse desesperadamente esquecer. Principalmente porque eu queria esquecer.

Lilly deve ter reparado nos meus olhos marejados, porque levantou-se rapidamente, e pagou a conta. Depois, disse que estávamos precisando de uma terapia dupla: chá e pizza. Algumas pessoas praticam ioga, outras correm para a terapia - eu, por minha vez, prefiro afogar as mágoas numa suculenta calabresa. Já ela, uma boa chaleira fervendo induz a calmaria.

Naturalmente, não era só o baque emocional de ter perdido o único amor. Nem tampouco o possível trauma de estar casando com alguém que não amava,apenas por me sentir muito amada. Também havia o lado profissional, abalado com a ruptura de sociedade do escritório psicológico que atuava. Além de estar em tratamento dentário. Claro que, essa última hipótese era mais aterradora: ninguém merecia tantas horas com uma broca.

Com tudo isso, eu me sentia frustrada. Tinha fome de mais responsabilidades. De compromisso. O que eu desejava era alguém trocando de vida comigo, por algum tempo. Enquant essa pessoa organizava tudo, eu podia ficar em algum lugar da europa, percorrendo museus, lugares históricos, cafeterias e bibliotecas. Não dizem que "sempe sabemos resolver o problema do outro"? Meu desejo tinha fundamentos bem sólidos.

Admito que estou sendo um tanto cínica. Mas com certo conhecimento de causa. De qualquer modo eu não estava a fim de sair. Principalmente naquela noite. Estava preocupada demais com minha situação no trabalho, e ainda tinha pela frente pelo menos uma semaninha a mais de dor-de-cotovelo. Depois, para mim, pizza rimava com coca-cola zero. Não com chá de graviola.

Olhando de fora, qualquer um diria que, descartar o homem com quem estava prestes a me comprometer, era loucura. Quando eu o vi, pela primeira vez, fiquei desorientada. Foi uma sorte danada ter encontrado alguém que se levantar da mesa, gentilmente, quando eu voltava da toalete, e abria a porta do carro. Cadi me amava, e não tenho o menor pudor de admitir que isso era o principal motivo de estarmos juntos. Confesso que também era o fundamento para eu amá-lo. Precisava desesperadamente de alguém para enevoar aquele-outro que não saia da mente. Ganhar na senna também adiantaria, penso enquanto entro na BMW que Lilly havia retirado há uma semana - casar com um cara medíocre e arrogante, como era seu marido, tinha lá suas compensações. Mas, nada que me deslumbrasse, porque sabia o quanto minha amiga sofria com esse relacionamento.

O que me faltava aprender, no entanto, era que as coisas raramente são tão perfeitas e certinhas como aquela historinha de brilhar os olhos para se assistir sentado no sofá. Com o tempo, eu perceberia que, quase sempre, nessas histórias de casais há um tipo de licença poética, um toque de romantismo, que com o passar dos anos acaba adquirindo um certo brilho.

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