terça-feira, outubro 30, 2007


UMA CHANCE.

Ouviu o barulho de seus pés pela areia, e esperou que ele estivesse a sua frente, para convidá-lo a sentar ao seu lado, na toalha que havia estendido na praia. O sol estava se pondo, e ele por sua vez, vendo-a ali, sozinha, abriu-se num sorriso inevitável, aquela mulher arrebatadora e linda lhe tirava do sério.

- O que foi, Esmeralda? O que tanto quer falar comigo?

- Um dia você será capaz de me compreender como eu o compreendo? De me amar tanto quanto eu te amo? De pensar em mim e me desejar ter ao seu lado, como eu desejo você?

Silêncio hesitante. Roberto não conseguia falar sobre o que sentia, sobre o que passava por dentro de si. Sempre fora assim, e não sabia se queria tentar ser diferente, começar a dizer a verdade dos fatos.

- Sou estranho assim mesmo, Esmeralda. Trate-me bem, e eu a trato bem. Trate-me mal, e eu a tratarei do mesmo jeito. Se for gentil comigo, serei gentil também. Não sou um canalha, mas estou bem longe de ser um anjo.

- Você sempre foge das perguntas, não é? Acha isso direito?

Roberto ergueu a mão, num gesto irritado, e levantou-se, indicando que iria embora, mas quedou-se, de pé, inerte. No coração, uma vontade imensa de falar sobre o seu desejo de começar nova vida com ela, mas também um medo indizível do desconhecido, uma sensação de abandono, de pesar, de tanta coisa que jamais havia experimentado. Sabia que era frio e indiferente, até rude com Esmeralda. Quando se sentia acuado daquela maneira, suas palavras se tornavam mecânicas e impessoais, para em nada demonstrar o quanto se importava. O quanto estava apaixonado. Aquela mulher não lhe saía do pensamento!

- Ah, Roberto, sente aqui-se, ao meu lado, a praia está linda. E depois, veja isto, lembra do diário que falei que um dia viraria livro? É esse aqui.

E quando sentou-se, ela lhe passou um caderno todo decorado, colorido, com muitas borboletas de pano coladas na capa, quase parecendo que, se ele não segurasse bem, as folhas poderiam tomar forma e voar, sair pelo ar.

- Qual é a história dele?

- Começa num dia de tempestade, onde a ressurgência provocou uma brusca queda de temperatura, e a brisa que vinha do mar enregelava até os ossos duas pessoas apaixonadas na praia. Ele termina dizendo que o único conselho que podia dar era que todos que amavam deviam saber barlaventear.

- Barlaventear. E o que é isso, afinal?

- Avançar o navio na direção de onde o vento sopra. Deixar o coração seguir o sentimento. Esse é o caminho.

- E o que você quer sugerir com isso?

- Quero que você deixe livre aquilo que sente.

- Ah, para que tudo tome conta de mim, e eu me veja em alvoroço geral? E deu uma risada gostosa, inclinando a cabeça para trás, os cabelos acariciados pelo vento da tarde. – Você quer vencer, então?

- Às vezes, eu penso que tudo o que eu quero na vida é somente uma coisa. Ver você feliz. Porque não há forma melhor para eu ser feliz. E virou-se para o mar, que sempre a fascinara. Era um encanto pessoal, um quê de mistério, uma beleza que a arrebatava desde menina, quando se punha a admirar as ondas que quebravam na praia, do alto do promontório, de onde morava sua avó.

- O que há comigo, Esmeralda? - perguntou agressivo Roberto, sentindo que a ternura na voz dela estava lhe minando muitas defesas.

- Eu podia fazer como ajo sempre, não é Roberto? Sair muito brava, batendo o pé, prometendo jamais lhe dirigir a palavra, depois do modo como me tratou. É isso o que você quer? Que eu lhe ajude a ficar longe de mim?

- Para mim, está ótimo.

- Não está não, Roberto. - E levantou-se, caminhando até perto de onde as ondas alcançavam a praia, deixando que molhassem seus pés descalços. – Você é um homem difícil, querido. Um temperamento forte, não gosta de ser contrariado, mas isto é só uma casca. Por dentro, há um homem gentil, amoroso, esperando que eu o desperte novamente. Não esqueça que eu já vi e amei esse homem em você.

Roberto olhava-a, admirado e encantado. Adorava saber que ela o compreendia por inteiro, e gostava dele, conhecendo seus defeitos e qualidades, não deixando nada de fora, nem pedindo qualquer mudança. Ser aceito era algo bom de sentir. Mas ela era uma escolha que exigia muita coragem. E não sabia se valia a pena tanta felicidade. Será que ele era merecia ser feliz assim? Encarou o olhar dela, e tentou dissimular o que estava sentindo, mais uma vez.

- Não estou entendendo aonde você quer chegar com essa conversa, Esmeralda. Por que está mostrando e falando tudo isso?

Esmeralda baixou os olhos, visivelmente entristecida. Não sabia mais o que podia dizer. Não estava ainda bem certa do que significava tudo aquilo, mas sentia que seu coração tinha razão. Roberto era o homem da sua vida, o homem de seus sonhos.

- Sabe, se hoje eu estou disposta a esperar por você, é porque arduamente conquistei isso, através de tudo aquilo que vivi. É o momento certo. Sei que ainda tenho um espírito meio estouvado e rebelde, mas meu coração, de alguma maneira, tem dado um jeito de me lembrar do que sinto, e do quanto é importante você para mim, quando quero partir. Como esquecer o único homem que amei em toda minha vida? Eu não posso ir, sem tentar. Sei que você finge não acreditar, mas você sabe que, às vezes, Deus nos permite ver as coisas de ontem, para que possamos compreender as de hoje, e melhorar as de amanhã. Será que realmente não sente mais nada por mim?

- O que houve entre nós, Esmeralda, não pode justificar sua insistência. Não foi você que me disse que eu iria sentir sua falta, a tal ponto que iria doer?

- E o que aconteceu depois? Eu descobri que te amo de verdade. Que o amo e posso vê-lo partir, se isso for o caminho que o fará feliz. Não se pode determinar a quem gostar, e nem por quanto tempo. Quero que você não resista. Desarme-se, se entregue. Só desta vez. Fica tão difícil e cansativo caminhar contra a força do vento, querido.

- Ninguém lhe pediu para fazer isso. E depois, acho que tudo o que você está falando são bobagens, crendices.

- Não precisa concordar comigo. Divirja quando quiser de mim, querido, mas peço, com amor. Que eu também possa falar o que sinto, sem medo de contrariá-lo, sem precisar esconder alguma coisa. Que eu possa te amar e te respeitar, sempre. Sem brigas, sem gritos, sem agressividade. Confie em mim. Permita que eu possa amar o homem maravilhoso que você é. Uma tentativa. É isso o que estou lhe pedindo, neste momento. Por favor, uma oportunidade.

Roberto levantou-se, e baixou os olhos, fingindo cavoucar com o pé a areia fina da praia, enquanto ruminava mil pensamentos. Sentia que ela tinha razão. Também, que mal haveria em lhe dar uma chance? E, depois, sabia o quanto gostava dela, e já andava meio cansado de ficar sozinho. De andar desconfiando e armado perto dela. Mordeu o lábio inferior, e encarou-a por alguns segundos, o vento mais forte balançando seus cabelos. Ela o olhava com o olhar úmido, fazendo com que seu coração se sentisse em torniquete. Quanta vontade de tomá-la nos braços, de beijar sua boca!

- Já esqueceu tudo o que lhe falei no começo do ano? – respondeu, taciturno, querendo fugir daquilo tudo.

- Cada um faz aquilo que pode, no momento. E vai até onde pode. Quem não sabe nadar, não se atira no mar. E quem se atira, corre o risco de morrer afogado. Ou então, acaba aprendendo sozinho. É a lei, é a vida. Ninguém pode tentar ser mais do que é, nem andar mais rápido do que suas pernas permitem. Aprendi isso, Roberto. Da forma mais difícil: ficando longe de você.

- Sim, pois então? Cada um faz o que pode, e não há nada de errado nisso. Isso tudo é muito confuso, não sei se acredito em alguma coisa.

- Vai acreditar, um dia. Ou não. O que importa é que eu vou estar ao seu lado. Para o que tiver que ser. Sempre.

Roberto estremeceu, imaginando que ela poderia simplesmente seguir sua vida, longe dele, aquele filho que tanto queriam juntos, com outro. Bastava um não incisivo. Será que era por estar tão apaixonado, que a simples visão desse pensamento lhe tirava o ar? Tinha medo de repetir o gesto nefasto do passado, de sofrer todo aquele conflito que vivera no seu passado, mas tinha certeza de que já não queria mais viver sem ela. De cabeça baixo, olhando para o mar, não percebeu quando, em silêncio, Esmeralda aproximou-se e tocou seu rosto, indo da sua testa, passando suavemente por seu nariz, até deixar seus dedos passearem por sua boca.

- Decorei seu rosto, meu amor. Sei a cor de seus olhos, e o significado, e me assombro ao perceber quando ficam escuros, e você mais profundo e verdadeiro, e vão ficando mais claros, à medida que você consegue mascarar o que sente. A onda de emoção que irradiam quando me vêm. Mesmo longe, seus pensamentos me alcançam, e são capazes de me levar até o coração sua intenção. As coisas nunca são o que parecem, não é? Confie em mim. Já reagi tanto a forma como você me trata. Na verdade, acho que passamos um bom tempo nos defendendo do que sentíamos, não é? Nada é impossível. Existem coisas difíceis, e outras fáceis. Mas só é impossível aquilo que realmente não se deseja. - E, passando a mão pela sua face, ela disse suavemente: - Roberto, você é tão humano quanto eu. As mesmas carências, sonhos. Desejos. Ambos somos orgulhosos. Temos muito amor guardado dentro de nós. A vida nos fez sofrer, e isso não nos paralisou. O que falta é alguém para dar o primeiro passo. E esse alguém pode ser eu. O primeiro passo para sermos felizes. Por isso eu estou aqui, pedindo uma chance.

Roberto a olhava, sem nada dizer. Sentia o peito oprimido, não suportava mais guardar aquele sentimento trancado, escondido de todos. Amava Esmeralda, confiava nela. Sabia que era imenso o seu conflito interno. Se por um lado sua alma e seu coração pediam para ficar com ela, por outro, sua mente lhe dizia para partir e não se envolver mais com aquilo. Que todo o sentimento desta mulher podia ser fogo que logo que se consumia se extinguia. Que não era bom se arriscar muito, quando se amava uma mulher. E, mesmo assim, sentiu que seus dedos tomavam força, e alcançavam seu braço. Puxou-a para si, estreitando-a nos braços, e beijando-a com toda a volúpia represada durante meses, toda amorosidade controlada até então. Quando terminou, estava tão emocionado, que não conseguia falar. Talvez fosse somente isso mesmo, o destino implacável não nos deixava fugir de suas teias.

Enquanto Roberto ainda estava surpreso ao perceber o quanto amava aquela mulher, na ponta dos pés, Esmeralda enlaçou seu pescoço e o abraçou apertado. Quando o soltou, Roberto tinha os olhos cheios de lágrima, e num meio sorriso, perguntou se estava com medo daquilo que podia vir, agora que tinham decidido ficar juntos.

Ela sorriu, e naquele momento soube que ao lado dele sentia-se segura. Em casa. Carinhosamente, segurou seu queixo e o beijou delicadamente, tremendo de satisfação quando os braços dele escorreram por suas costas. Olhando-o com ternura, sussurrou rouca:

- Não há o que eu tema e não enfrente, se sua mão na minha mão, Amor da minha Vida.

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