segunda-feira, outubro 15, 2007


Baile da TRISTEZA.

Quando fez dez anos, amanheceu e o espelho lhe disse que era capaz. De beijar Maria Carolina. Arrumou com gosto o topete, pelo prazer de dizer basta as noites de sono que sempre antecedia explicando a Maria, na penumbra do seu quarto, todas as incidências da sua jornada no dia. Suas andanças no colégio, o que tinha aprendido, o quanto tinha ficado chateado por ela não lhe ter dado nem um empurrão, quanto mais um abraço ou aperto de mão. Não podia ouvir a sua voz ou sentir o seu contato, mas a sua luz e o seu calor ardiam em cada recanto do seu quarto, e era agora, com a fé dos que ainda podiam contar os seus anos pelos dedos das mãos, que acreditava que a noite era dele. Se fechasse os olhos e mentalizasse bastante, já podia se ver com ela. Às vezes, até o seu pai se irritava, e queria ir falar com a tal da Maria Carolina, porque o via na sala de jantar, chorando às escondidas. Mas aquele alvorecer de Junho prometia. O coração batia forte no peito, como se a alma quisesse abrir caminho, e saltar a fogueira de são joão, ânsia louca pela boca da morena. Saiu apressado, sorriso estampado na face brejeira de moleque acostumado com a rua, calça curta e kichute nos pés. Chegou à esquina, todos os outros três já ao redor da bacia da Maria, esperando por ele, que chegava assorbado. Foi se desculpar, mas Maria Carolina, dedo em riste, pediu silêncio, era preciso ouvir as vozes dos mortos do cemitério do outro lado da rua. Fez gestos assustando os colegas ao lado, e elevou a vela, que começou a pingar acesa na bacia. Eu, que agora me achava digno de beijar e ser feliz, permaneci atento, e não desviei milímetro dos olhos dela, pra mostrar o homem corajoso que eu era, que não tinha medo, e tinha certeza que era minha a letra do primeiro beijo seu. Tentei até ensaiar uma reza, pra que se formasse mais rápido a inicial do meu nome, e mesmo ficando inseguro, em nenhum momento baixei a vista como os outros, na espera pelo acontecimento. Resolvi prometer, iria parar de fazer xixi na cama, se a tal letra fosse dele, se o beijo, se a boca, ah, Maria Carolina, por você não verteria mais líquido no colchão! E então, um grito, era o Maurinho, explodindo em si dizia que era ele, era um M, só podia ser M de Maurinho. Wellington, que sempre fora tímido e isolado berrou mais alto, onde já se viu não ver logo o W, dele próprio, forte na bacia com água? Eu e Jacinto emudecemos, e Maria Carolina, baixando a vela, disse que era M sim, mas de Maria Carolina. Que dizia que ela não era de nenhum deles, mas só dela própria. Inteirinha dela. E se foi, deixando vela, bacia e lenço seu. Os 4 patetas, silenciosos, voltaram cabisbaixos para casa, eu então ia magoado. Passei pela ponte, e joguei a moeda do sorvete de Maria Carolina. Prometi naquele dia que nunca mais ia cumprir promessa minha. E durante muito tempo, nunca mais houve a ilusão de estar apaixonado. Maria Carolina não entendeu, o M era de Morte. Ali, ela matou meu coração de menino de fé.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial