domingo, agosto 05, 2007


Minha vida. Em você vivida.

(...) Lavou o rosto apressado, saiu do banheiro com a toalha nas mãos ainda molhadas, tudo o irritava como se o tempo tivesse parado. Sentou-se distraído na cama, abriu a gaveta e suspirou mais calmo, como se aquela imagem tivesse o condão de suavizar seu mundo. Com voz simples disse ele soprando de leve o retrato na mão, olhando atentamente aquele rosto, "Eu te amo, minha menina". Seria a primeira vez em que o dizia? indagou-se com surpresa e censura. Dissera demais, dissera demais, pensava olhando-a com quase-medo, de algum modo já pensava em autodefesa, enquanto seus olhos mergulhavam nos olhos dela com profundidade, absortos, pesados destes pensamentos que sempre o contiveram. Não saberia dizer a ninguém e nem a si próprio, pensava, como era ela importante para ele. Como a conhecia, nas reações de seu próprio corpo. Sentia-se renovando, sem muito esforço de sua vontade e de memória, rápida e fugitiva percepção dela que o atormentava diariamente. O que mais o assustava era alguma coisa que não conseguia falar nem pensar, essa espécie de assombro e espanto pela condição que se estabelecia a cada vez que nela pensava, parecia que se ligava, se conectava... e se concretizava em prazer, na visão dela. Amor devia ser isso, essa coisa que não compreendia separação, distância, essa docilidade que tomava conta do seu ser quando olhava seu retrato, e sentia sua vida apertar-se de sentimento, seu coração atropelado, suspirando com força, guardando em silêncio, dentro de si tanto desejo, vem pra mim, vem pra mim, vem nesse instante... veloz... vem... Doía-lhe pensar assim, ela existir dentro dele cheia de vida, respirar, comer, dormir, e não ter a certeza de que ela poderia também pensar e sentir assim, algo tão grande por ele. Por que você não me interrompe, por quê você não aparece, você deve saber o que é essa coisa que me consome por inteiro. Eu estou tão perdido, por quê você me deixa errar? Abriu a gaveta, o retrato novamente colocado no lugar de sempre. Ela nunca saberia como era difícil para ele proferir uma palavra para pedir socorro, uma tarefa impossível ele pedir ajudar, ele que sozinho desde sempre se sentia. O coração doendo, pensava que havia errado com uma força que não se podia deter, imaginava que não poderia ser mais feliz do que foi ou mais infeliz do que era... Contra o que lutava? Ainda tentava se equilibrar na ponta dos pés, e milagrosamente atravessava o dia, exausto de cansaço chegava para dormir para no dia seguinte recomeçar tudo igual. Essa era a realidade da sua vida, e daí se não tinha coragem? Nesses instantes era que a odiava, e tinha gana de apertar seu pescoço, até fazê-la sumir de dentro de si. Queria matá-la, mas tinha medo que ela morrendo não sobrasse ar para ele respirar. E terminava por rir sozinho, contraditório amar ele admitia, era gostoso sentir tanta vida dentro de si. Vida Minha, minha vida, nela toda revivida.

Deitou-se, espreguiçando-se lentamente na cama nova, sorriso bobo ainda na face, ao lado viu o livro recém-adquirido, abriu-o num impulso, tentativa de tirá-la da mente, "dona da minha cabeça", riu lembrando da música. As frases que ia grifando entravam silenciosamente dentro de si, "Quebrar padrões de rigidez, aquela espécie de lista interna "isso pode, aquilo não pode" que carregamos, mesmo sem tomar consciência o tempo todo. Abrir-se para oportunidades e possibilidades, e quando desse vontade, FAZER. Renovar-se agora. Permitir-se ser outro nesse instante. Jogar fora conceitos obsoletos, a segurança da certeza, o apoio que não lhe levava a lugar algum. Dar um fim na monotonia dos dias, deixar o vento levar as lembranças e cicatrizes que impediam de ser feliz. De se arriscar. O que você gostaria de estar fazendo agora? FAÇA. Nada mais de procrastinar, de adiar VONTADE, de frear sonhos ou podar DESEJOS. Curtir, se mover, romper limites, mudar. Realizar e experimentar coisas em que seu coração vibrava. Parar de construir obras que outros iriam gostar. Romper padrões, quebrar regras.

Hahaha, quantas frases lindas, belo ditado... Parecia tudo tão simples! Onde apertava o botão? Não espere perder para sentir que era necessário ganhar. Aprenda a viver pra não passar sobrevivendo de sobras. Quanta baboseira, auto-ajuda servia mesmo pra quê? No fundo, sabia que essas tolices lhe incomodavam. Dissimulou pensamentos e desejos despertados, e jogou o livro displicentemente no chão. As desculpas que usava para adiar tudo eram essenciais, como podia desistir delas? Ficou pensando na pergunta inicial daquela chatice de salvação-livro, "o que fazia ele sorrir, do que ele sentia falta quando imaginava que tinha tudo que queria. Errou o autor, devia era indagar "o que ele estava esperando pra recomeçar a sentir-se feliz." Fechou os olhos, tentativa para dormir rápido e evitar pensar demais. Ajuda, ajuda... ele precisava era de ajuda. Por que você não me ouve, menina-que-me-faz-feliz? Se ele errava, culpa dela porque não interrompia os passos dele. Sim, tudo no final era culpa dela. Agora era raiva o que sentia, a raiva o fazia dormir sem chorar, sem sonhar, sem sentir aquele vazio... Mais raiva por ela não estar ali. Ao alcance de suas mãos que insistiam em alcançá-la... Vem, vem... atravessa a rua, me encontra na esquina, vem...

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