terça-feira, agosto 14, 2007


HOT. RED.

Freud diria que gostamos de beijar porque assim evocamos o primeiro gesto de sobrevivência do bebê quando nasce. Nossas reminiscências orais se manifestam e saímos por aí beijando e testando através do beijo nossa capacidade de amar e de ser amado e, conseqüentemente, nossa capacidade de sobreviver. Ao invés do leite materno, saboreamos néctares diferentes, odores novos e conhecidos e uma aflição no peito que não sabemos direito se nasce na cabeça ou no doce encontro de duas bocas. Beijar é muito bom. Se fomos crianças amadas, fomos beijados muitas vezes no decorrer da infância. Até uma certa idade nem sabemos do que se trata, mas achamos bom. A lembrança do seio materno está ainda bem próxima. Depois, mais crescidinhos, menino ou menina, o beijo começa a nos incomodar. Nosso universo é outro. Nossas referências de afirmação passam longe do beijo. Não é que seja sempre ruim, mas vivemos muito bem sem ele.

Às vezes um brigadeiro ou um brinquedo sonhado faz mais efeito. Mas dura pouco. Logo, logo voltamos a querer beijar. É só a menina da carteira ao lado desviar o olhar do quadro negro para depositar em você, pela primeira vez na vida, a chama da sedução que o beijo volta como a primeira referência do gesto de amor. É o beijo escondido, o beijo proibido, o beijo inocente que dá mais dor de barriga que aqueles dois sacos de cheesitos-bacon que você comeu escondido. Mas o sorriso de satisfação e prazer é tão grande que nunca mais esquecemos. Essa é a sensação que carregaremos pelo resto da vida e será glória ou ruína de nossos corações enquanto sentirmos desejo por alguém. É nesse momento, da pré-adolescência, que o beijo entra em nossas vidas abrindo um arco de possibilidades infinitas de sensações, sabores e desejos. Assim como a impressão digital, não existem dois beijos iguais. E o beijo é o cartão de visita da relação. Se o beijo for bom, é meio caminho andando para outros beijos em outros lugares do corpo e da imaginação. Um beijo ruim pode afastar duas pessoas que aparentemente teriam tudo para dar certo. Se olham, se atraem, se aproximam, se tocam e se beijam. E pronto. Uma ducha de água fria, de desinteresse, até mesmo de aversão afasta para sempre a possibilidade daquele encontro amoroso. Por outro lado, um beijo roubado inocentemente, na chegada ou na despedida, no erro de mira quase involuntário, pode fazer nascer um amor enorme, onde o próprio beijo será sempre a porta de entrada do afeto, do prazer, do amor em todas as suas possibilidades.

O beijo na vida adulta amplia horizontes. Desembarca do encontro de bocas para explorar outros caminhos e outros lugares do corpo onde é mais do que bem-vindo, é necessário, é indispensável, é como se os lábios molhados introduzissem o desejo em cada ponto do corpo que eles percorrem. É através do beijo que saboreamos o corpo que nos acompanha e acionamos todos os nossos instintos afetivos para o prazer. É preciso beijar muito nessa vida. Um beijo é sempre um novo beijo. Sua capacidade de renovação não deve ser desprezada. Podemos estar cansados, sem dinheiro, sem trabalho e até mesmo sem esperança, mas um beijo bem dado é capaz de fazer renascer o que no fundo nunca perdemos: a lembrança de que a vida começa num beijo.

MIGUEL PAIVA

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