sexta-feira, julho 20, 2007


PUBLICADO por mim:.

Desde os mais remotos tempos, deram estas crenças lugar a regras de conduta. Como, entre os antigos, o morto necessitasse de alimento e de bebida, concebeu se ser dever dos vivos satisfazer lhe esta sua necessidade. O cuidado de levar aos mortos os alimentos não foi relegado ao capricho ou aos sentimentos variáveis dos homens; foi obrigatório. Assim se estabeleceu uma verdadeira religião da morte, cujos dogmas logo desapareceram, perdurando, no entanto, os seus rituais até o triunfo do cristianismo. Os mortos eram considerados criaturas sagradas (1). Os antigos davam lhes os epítetos mais venerandos que encontravam no seu vocabulário: chamavam nos bons, santos, bem aventurados (2). Dedicavam lhes quanta veneração o homem pode dedicar à divindade que ama ou teme. Para o seu pensamento cada morto era um deus (3). Esta espécie de apoteose não era apanágio dos grandes homens; entre os mortos não havia distinção de pessoas. Cícero diz nos: "Os nossos antepassados quiseram que os homens que deixassem de viver fossem contados entre os deuses (4) . Não era mesmo necessário ter sido homem virtuoso; tanto era deus o mau como o homem de bem; somente o mau continuaria na sua segunda existência com todas as suas más inclinações já reveladas durante a sua primeira vida. Os gregos davam de boa mente aos mortos o nome de deuses subterrâneos. Em Esquilo, um filho invoca seu falecido pai com estas palavras: "ó tu que és um deus sob á terra". Eurípides, falando de Alceste, acrescenta: "Junto do teu túmulo o viandante parará e dirá: Aqui vive agora uma divindade ditosa" . Os romanos davam aos mortos o nome de deuses manes. `Prestai aos deuses manes todas as honras que lhes são devidas, diz Cícero, são homens que abandonaram esta vida terrena; reverenciai os como criaturas divinas". As sepulturas eram os templos dessas divindades. Por isso tinham a inscrição sacramental: ”Diz Manibus”. O deus permanecia encerrado no seu túmulo, Manesque sepulti, no dizer de Virgílio. Diante da sepultura havia um altar para os sacrifícios igual ao que há em frente dos templos dos deuses. Achamos o culto dos mortos entre os helenos, os latinos, os sabinos e entre os etruscos; encontramo lo também entre os árias da índia. Os hinos do Rig Veda fazem lhe referências. O livro das leis de Manu menciona este culto para no lo apresentar como o mais antigo culto professado pelos homens. Viu se já neste livro como a idéia da metempsicose não tomou conhecimento desta velha crença; e, apesar de a religião de Brama já anteriormente estar estabelecida, contudo, sob o culto desta religião como sob a doutrina da metempsicose, subsiste ainda viva e indestrutível a religião das almas dos ancestrais a forçar o redator das leis de Manu a levá la em consideração e a admitir ainda suas prescrições no livro sagrado. Não é singularidade menor deste livro tão esquisito conservar as regras relativas às antigas crenças, sendo evidentemente redigido numa época em que já prevalecem crenças inteiramente opostas. Isto nos prova que, se é necessário muito tempo para as crenças humanas evoluírem, ainda muito mais tempo se torna necessário para as práticas exteriores e as leis se transformarem. Mesmo em nossos dias, depois de tantos séculos passados e de tantas revoluções, os hindus continuam fazendo as suas oferendas aos ancestrais. Essas idéias e esses rituais são o que de mais antigo encontramos na raça indo européia, sendo também o que ali apresentaram de mais persistente. 0 culto na Índia era o mesmo que na Grécia e na Itália. O hindu devia oferecer aos manes o alimento denominado sraddha. "Que o chefe da casa faça o sraddha com arroz, leite, raízes e frutos, a fim de conseguir a benevolência dos manes. O hindu acreditava que, quando oferecia o repasto fúnebre, os manes dos ancestrais vinham sentar se ao seu lado e aqui comiam o alimento que lhes era oferecido. Acreditava ainda que esta refeição proporcionava aos mortos grata alegria: "Quando o sraddha é oferecido segundo os rituais, os ancestrais daquele que oferece o repasto experimentam uma sensação inalterável". Desta sorte, em sua origem, os árias do Oriente pensaram como os do Ocidente, em relação ao mistério do seu destino para além da morte. Antes de crerem na metempsicose, que supuseram distinção absoluta existente entre a alma e o corpo, acreditaram na vaga e indecisa existência da criatura humana, invisível mas não imaterial, exigindo dos mortais alimento e bebida. O hindu, como o grego, encarava os mortos como seres divinos que gozavam de uma existência bem aventurada. Contudo era necessário preencher se uma condição indispensável para sua felicidade; era imprescindível que em tempos oportunos os vivos lhes trouxessem suas oferendas. Quando se deixasse de trazer o sraddha ao morto, a alma desse morto deixava a pacífica morada, e tornava se alma errante, atormentando os, vivos; destarte, se os manes eram verdadeiramente deuses, eram no tão somente enquanto os vivos os venerassem com o seu culto. Eram exatamente estas as opiniões a tal respeito formuladas tanto por gregos como por romanos. Ao deixarem de oferecer aos mortos o repasto fúnebre, deixavam estes seus túmulos; como sombras errantes, ouviam nos gemer pela calada da noite silenciosa. Censuravam os vivos por sua negligência ímpia; procuravam puni los enviando lhes doenças ou castigavamos com a esterilidade da terra. Enfim, não davam descanso aos vivos até o dia em que se restabelecessem os repastos fúnebres. O sacrifício, a oferenda de alimentos e a libação faziam nos voltar ao túmulo e proporcionavam lhes o repouso e os atributos divinos. O homem estava então em paz com os seus mortos. Se o morto cujo culto se descurara tornava se uma criatura malfazeja, um outro que se honrava era sempre um deus tutelar que amava aqueles que lhe ofereciam alimentos. Para protegê los, continuava a tomar parte nos negócios humanos, neles desempenhava com freqüência o seu papel. Embora morto, sabia ser forte e ativo. Dirigiam lhes súplicas, pedindo lhe seu auxílio e os seus favores. Quando se encontrava algum túmulo parava se e dizia se: "Tu, que és um deus sob a terra, seja me propício". Podemos avaliar o poder atribuído pelos antigos aos mortos, por esta prece dirigida por Electra aos manes de seu pai: "Tende piedade de mim e de meu !anão Orestes; fazei o voltar a este país; atende a minha súplica, ó meu pai; atende os meus votos recebendo as minhas libações". Esses deuses poderosos não proporcionam apenas bens materiais; porque Electra acrescenta: "Dai me um coração mais puro do que o de minha mãe, e mãos mais cândidas do que as suas”. Do mesmo modo, o hindu pede aos manes 'que aumente em sua família o número de homens de bem e se lhes conceda multo para ofertarem'. As almas humanas divinizadas pela morte os gregos denominavam nas demônios ou heróis. Os latinos denominavam nas de lares, manes, gênios. "Os nossos ancestrais creram, diz Apuléio, que os manes, quando malfazejos, deviam ser denominados de larvas, reservando se lhes o nome de lares só para os benfazejos e propícios. Lê se noutra parte: Gênio ou lar é o mesmo ser: assim o creram os nossos antepassados"; e em Cícero vem: `Aqueles que os gregos chamam demônios, damo-lhes o nome de lares. Essa religião dos mortos parece ter sido a mais antiga que existiu entre estes povos. Antes de conceber e de adorar Indra ou Zeus, o homem adorou os seus mortos; teve lhes medo e dirigiu lhes súplicas. Parece que o sentimento religioso do homem tenha tido origem com este culto. Foi, talvez, à vista da morte que o homem teve pela primeira vez a Idéia do sobrenatural e quis confiar em coisas que ultrapassavam a visão de seus olhos. A morte teria sido o primeiro mistério, colocando o homem no caminho de outros mistérios. Elevou o seu pensamento do visível ao invisível, do passageiro ao eterno, do humano ao divino.

Não é necessário representar esta antiga religião como as que foram fundadas mais tarde, com civilização mais evoluída. Há muitos séculos que o gênero humano não admite mais uma doutrina religiosa, senão sob duas condições: uma, a de lhe anunciar um único deus: outra, desde que, de igual modo, se dirija a todos os homens e seja acessível a todos, sem afastar sistematicamente nenhuma ciasse ou raça. Porém a religião dos tempos primevos não preenchia nenhum destes dois requisitos. Além de não dar à adoração dos homens um só deus, ainda os seus deuses não aceitavam indistintamente a adoração de todos os homens. Não se apresentavam como deuses do gênero humano. Não se assemelhavam nem mesmo a Brama, que era, pelo menos, deus de toda uma grande casta, nem a Zeus Pan heleno, que o foi de toda uma nação. Nesta primitiva religião cada um dos seus deuses não podia ser adorado por mais de uma família. A religião era estritamente doméstica. E preciso esclarecer esta importante situação porque; sem o fazermos, nunca se compreenderá a íntima correspondência estabelecida entre essas antigas crenças e a constituição da família greco romana. O culto dos mortos de modo algum se aproxima daquele que os cristãos dedicam aos santos. Uma das mais Importantes regras do culto dos mortos residia no fato de este apenas poder ser prestado aos mortos de cada família que pelo sangue lhes pertencia. Os funerais só podiam realizar se religiosamente quando presidido pelo parente mais próximo. Quanto ao banquete fúnebre, que se renova em épocas determinadas, apenas a família tinha o direito de lhe assistir, e os estranhos eram rigorosamente excluídos dele. Cria se que o morto só aceitava a oferenda quando esta lhe fosse apresentada pelas mãos dos seus; queria apenas o culto dos seus descendentes. A presença de homem estranho na família logo perturbava o repouso dos manes. Por essa razão alei proibia o estrangeiro de se aproximar do túmulo. Tocar uma sepultura com o pé, mesmo por descuido, era ato de impiedade, que obrigava a fazer se ato de reconciliação com o morto, e exigindo ainda do delinqüente a sua purificação. A palavra pela qual os antigos designavam o culto dos mortos afigura se nos bastante significativa: os gregos diziam pratiázein, os latinos chamavam lhe parentare. De fato a prece e a oferenda apenas eram dirigidas aos antepassados de cada um. Porque p culto dos mortos representa realmente o culto dos antepassados. Luciano, zombando das razões do povo, no entanto, no lo explica claramente, ao dizer-nos: "O morto que não deixou filhos, não recebe oferendas; assim fica condenado à fome perpétua". Tanto na índia como na Grécia, a oferenda só podia ser feita ao morto pelos seus descendentes diretos. A lei hindu, assim como a ateniense, proibia no banquete fúnebre a admissão de estranhos, embora amigos. Era de tal maneira importante que estes banquetes fossem oferecidos pelos descendentes do morto e não por intrusos, que se supunha até que os manes, além túmulo, proferiam com frequência este voto: "Oxalá, na nossa linhagem, nasçam sempre em sucessão filhos que nos ofereçam, no decorrer dos tempos, arroz cozido em leite, mel e manteiga purificada" I .Por essa razão na Grécia e em Roma, assim como na índia, o filho tinha o dever de fazer libações sacrifícios aos manes de seu pai e aos de todos os seus ancestrais. Faltar a este dever era a mais grave impiedade de quantas podiam comete se, porque a interrupção do culto provocava uma série de mortes e destruía a felicidade. Semelhante negligência tomava proporções de verdadeiro parricídio, multiplicado tantas vezes quantos antepassados possuía o filho negligente. Se, pelo contrário, os sacrifícios se realizavam sempre segundo os ritos e se os alimentos eram levados ao túmulo nos dias determinados, tínhamos, então, no antepassado um deus protetor. Hostil a tocos os que não descendiam dele, expulsando os de junto do seu túmulo, castigando os com doenças quando dele se aproximavam; para os seus, contudo, era sempre bom e compassivo. Havia troca perpétua de favores entre os vivos e os mortos de cada família. 0 antepassado recebia dos seus descendentes a série de banquetes fúnebres, únicos prazeres usufruídos na sua segunda vida. 0 descendente alcançava do antepassado o auxílio e a força de que necessitava nesta vida 0 vivo não podia passar sem o morto, nem este sem aquele. Por este motivo, poderoso laço se estabelecia unindo todas as gerações de uma mesma família, constituindo se ela um corpo eternamente Inseparável. Cada família possuía o seu túmulo, onde os seus mortos repousavam juntos, um após outro, Todos aqueles que descendiam do mesmo sangue deviam ser ali sepultados, com exclusão de toda e qualquer pessoa de outra família. Ali se celebravam as cerimônias e se festejavam os aniversários. Cada família acreditava ter ali os seus antepassados sagrados. Em tempos muitos remotos, o túmulo ficava dentro da propriedade da família, no centro da casa, não longe da porta, 'a fim de que, refere um antigo, o filho tanto ao entrar como ao sair de sua casa, encontre sempre seus pais e, que cada vez que o façam lhes dirija uma invocação". Desta forma, o antepassado vivia no seio dos seus familiares; Invisível, mas sempre presente, continuava fazendo parte da família, nesta sendo sempre o pai. Imortal, propício, divino, interessava se pelo que deixara de mortal sobre a terra; conhecia suas necessidades, ajudava os seus nas suas fraquezas. E o homem ainda vivo, o que trabalhava, o que, no dizer dos antigos, não se tinha ainda deserdado da existência, esse tinha sempre junto de si, como seus guias e auxiliares, seus próprios pais. No meio das suas dificuldades invoca os pela sua antiga sabedoria; nas ocasiões de perigo suplica lhes o seu consolo, depois da falta Implora lhes o perdão. Com certeza hoje sentimos relutância ao querermos compreender como um homem pudesse adorar seu pai ou seu antepassado. Fazer do homem um deus parece nos contrário à religião. Quase tão difícil se torna para nós compreendermos as velhas crenças destes homens, como para eles o teria sido se quisessem entender as nossas. Lembremo nos, contudo, de que entre os antigos não havia ainda a idéia da criação; e por isso, para os seus homens, o mistério da geração lhes aparecia como aquilo que o mistério da criação pode hoje representar para nós. 0 gerador surgia lhes como ente divino e, por isso, o adoravam nos seus antepassados. E necessário que este sentimento seja natural e bastante poderoso, para poder surgir, como princípios de uma religião, nas origens de quase todas as sociedades humanas; encontramo lo tanto entre os chineses, como entre os antigos Betas e citas, não só entre as populações da África, como até mesmo entre as do Novo Mundo. 0 fogo sagrado, tão estreitamente ligado ao culto dos mortos, tinha também, como caráter essencial, pertencer tão somente a uma família. Representava os antepassados; era a providência dessa família. Cada lar protegia somente os seus. Toda esta religião se limita ao interior de cada casa. 0 culto não era público. Antes, pelo contrário, todas as cerimônias eram celebradas apenas no seio da família. 0 fogo sagrado nunca era colocado fora da casa, nem mesmo próximo à porta exterior, de onde qualquer estranho o pudesse ver. Os gregos colocavam no sempre em recinto fechado (14) onde estivesse protegido contra o contato e mesmo contra o olhar dos profanos. Os romanos escondiam no no centro da casa. A todos estes deuses, Fogo sagrado, lares, Manes, denominava nos deuses ocultos, ou deuses domésticos. Para todos os atos dessa religião tornava se indispensável a sua prática oculta, sacrificia occulta, no dizer de Cícero; se uma cerimônia fosse presenciada por estranho, era considerada perturbada, profanada por um único olhar. Para essa religião doméstica não existiam nem regras uniformes, nem ritual comum. Cada família usufruía a esse respeito da mais completa independência. Nenhum poder exterior tinha o direito de fixar regras para o seu culto ou de estabelecer normas para a sua crença. Não havia outro sacerdote além do pai, e este, como sacerdote, não conhecia superior hierárquico. O pontífice de Roma, ou o arconte de Atenas, podia certificar se se o pai de família cumpria todos esses ritos religiosos, mas não tinha o direito de lhe ordenar a mais ligeira alteração nas suas leis domésticas de religião. Suo quisque ritu sacrificium faciat, era regra absoluta . Cada família tinha suas cerimônias, que lhe eram próprias, e do mesmo modo suas festas particulares, suas fórmulas de oração e seus hinos. Só o pai, único intérprete e único pontífice dessa religião, é que tinha o poder de ensiná la, e tão somente a seu filho. Os ritos, as palavras próprias da oração, os cantos, tudo isso preenchendo a parte essencial desta religião doméstica, era patrimônio ou propriedade sagrada que a família com ninguém partilhava, sendo até mesmo proibido revelá los a estranhos. Sucedeu o mesmo na índia, onde o brãmane dizia: "Sou forte contra os mus inimigos pelos cantos reservados à minha família e que meu pai me transmitiu" . Nesta ordem, a religião não se manifestava nos templos, mas em casa; cada qual tinha seus deuses; cada deus protegia apenas uma família e era deus apenas de uma casa. Não podemos racionalmente supor que uma religião com este caráter fosse revelada aos homens pela imaginação poderosa de alguém entre eles, ou por uma casta de sacerdotes. Nasceu espontaneamente no espírito humano, sendo seu berço a família e tendo cada família criado os seus próprios deuses. Essa religião só podia propagar se pela geração. O pai, gerando a vida a seu filho, transmitia lhe, ao mesmo tempo, com a vida, sua crença, seu culto, o direito de manter o fogo sagrado, de oferecer o banquete fúnebre. de pronunciar as fórmulas da oração. A geração estabelecia esse vínculo misterioso entre o filho que nascia para a vida e todos os deuses da familia. Esses deuses eram a sua própria família, theòi errghenéis; eram o seu sangue theói synaimoi. A criança ficava portadora, logo ao nascer, da obrigação de adorá los e de lhes oferecer os sacrifícios, assim como também, mais tarde, quando a morte a tivesse divinizado, estaria, ela própria, por sua vez, contada entre o número dos deuses da família.Mas é preciso atentar, como particularidade, no fato de esta religião doméstica só se transmitir de linha masculina à linha masculina. Este fato, resulta, sem dúvida alguma, da idéia de geração, tal como os homens, conceberam . A crença das eras primitivas, como a encontramos nos vedas, de que restam vestígios por todo o direito grego e no romano, foi a de o poder reprodutor residir exclusivamente no pai, Só o pai possuía o princípio misterioso do ser e transmitia essa centelha de vida. E deste antigo conceito se partiu até provir como regra que o culto doméstico passasse sempre de homem para homem; a mulher só participava desse culto por intermédio de seu pai ou de seu marido e, depois da morte destes não recebia a mesma parte que o homem no culto e nas cerimônias do banquete fúnebre.
posted by Palova Lemincka at 10:43 DU

Sentido:.
Quando escolhemos o caminho espiritual temos que nos preparar para uma grande "batalha" espiritual. Tal como um sistema de treinamento, precisa-se passar por "provas" para desenvolver suas habilidades espirituais. Somos o resultado de nossas escolhas. Mas como escolher se muitas vezes não sabemos o final da estrada? Esta é a grande prova de Avram nesta parashá - escolher trilhar por um caminho desconhecido. Dar um salto no escuro. Para isso você precisa se livrar da dúvida e do medo. Tudo o que acontece em nossas vidas é fruto de alguma escolha feita no passado. Infelizmente muitas vezes percebemos que as escolhas dos seres humanos preferem o caminho da aparência. É isso que chamamos - na Cabalá - de clipá nogá, que significa "o brilho da casca". Muitas vezes aparenta ser o caminho mais "próspero e maior", mas é o que oculta armadilhas. O único caminho legítimo é aquele que te leva para dentro de ti mesmo - o caminho de auto-conhecimento (Lech Lechá). Muitas vezes a maior distância entre um ponto e outro é o atalho. Saiba evitar os atalhos perigosos em sua busca de auto-conhecimento. Estes caminhos ficam apenas na superfície do efeito e não na causa dos nossos problemas. Erguer um altar é também um código para definir a importância de criar "portais" de acesso aos Mundos Superiores por onde passar o cabalista. Criar também meios de resgatar os que ainda se encontram presos. Somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim.

Sempre que vejo alguém buscando algo fora de si mesmo, ou esta história que os feitiços não funcionam para si próprios, lembro da história do rabino Eisik, de Cracóvia, que o indianista Heinrich Zimmer desenterrou dos Khassidischen Bücher de Martin Buber. E não foi só ele, afinal o Paulo Coelho rescreveu esta mesma história no “Alquimista”, e é a própria razão do sucesso do livro. Li este conto, tanto nas mil e uma noites como em outras coletâneas o que prova este ser universal e verdadeiro. Este piedoso rabino, Eisik de Cracóvia, teve um sonho que lhe mandava que fosse a Praga: aí, sob a grande ponte que leva ao castelo real, descobriria um tesouro escondido. O sonho repetiu se três vezes, e o rabino decidiu se a partir. Chegado a Praga, encontrou a ponte, mas guardada noite e dia por sentinelas; Eisik não osou procurar. Girando sempre pelos arredores, atraiu a atenção do capitão dos guardas; este perguntou lhe amavelmente se perdera alguma coisa. Com ingenuidade, o rabino contou lhe o seu sonho. O oficial explodiu em gargalhadas: “Realmente, homenzinho!, disse lhe ele, tu usaste os teus sapatos para percorrer todo esse caminho simplesmente por causa de um sonho? Que pessoa, na posse da sua razão, acreditaria num sonho?” O próprio oficial ouvira uma voz em sonhos: “Falava me de Cracóvia, ordenando me que lá fosse e procurasse um grande tesouro na casa de um rabino cujo nome era Eisik; filho de Jekel. O tesouro devia ser descoberto num recanto poeirento, onde estava enterrado por detrás do fogão.” Mas o oficial não tinha qualquer fé nas vozes escutadas em sonhos: era uma pessoa de juízo. O rabino inclinou se profundamente, agradeceu lhe e apressou se a regressar a Cracóvia. Cavou no canto abandonado da casa e descobriu o tesouro que pôs fim à sua miséria.“Assim comenta Heinrich Zimmer , dessa maneira, o verdadeiro tesouro, o que põe fim à nossa miséria e às nossas provações, nunca está muito longe, não é preciso ir buscá lo a um país longínquo, jaz enterrado nos recessos mais ínfimos da nossa própria casa, isto é, do nosso próprio ser. Está atrás do fogão, o centro que fornece a vida e o calor que comanda a nossa existência, o coração do nosso coração, se soubermos cavar. Contudo, há o fato estranho e constante de que é só após uma viagem piedosa a uma região longínqua, a um país estrangeiro, sobre uma nova terra, que o significado dessa voz interior que guia a nossa procura poderá revelar-se a nós.

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