sexta-feira, julho 20, 2007


POSTAGENS do absurdo.

Todo mundo é um pouco maluco. Porém, após ler e reler Fernando Pessoa, em "Livro do Desassossego", ando me considerando extremamente normal, mesmo eu sendo também realizadora de muitos absurdos e seguidora de frases sem nexo, adorando silêncio embalador, e acreditando em divindade aqui, dentro de mim. Um trecho de Pessoa, pra quem está precisando de conselhos nessa área.

"CONSELHOS ÀS MAL CASADAS"
(as mal casadas são todas as mulheres casadas e algumas solteiras)

Livrai-vos sobretudo de cultivar os sentimentos humanitários. O humanitarismo é uma grosseria. Escrevo a frio, raciocinadamente, pensando em vosso bem-estar, pobres mal-casadas. A arte toda, toda a libertação, está em submeter o espírito o menos possível, deixando ao corpo, que se submeta à vontade. Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter, porém, contatos carnais inexplicáveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até ... eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gozar e alargar a sua individualidade, sem descer ao método da criada de servir, que, por ser também delas, é baixo, nem cair na honestidade rigorosa da mulher profundamente etúpida, que é decerto filha do interesse.

Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis compreender o que escrevo. Todo o prazer é do cérebro, todos os crimes, que se dão, é só em sonhos que se cometem! Lembro-me de um crime belo, real. Não o houve nunca. São belos os que nós não conhecemos. Bórgia cometeu belos crimes? Acreditai-me que não cometeu. Quem os cometeu belíssimos, profusos, foi o nosso sonho de Bórgia, foi a idéia de Bórgia que há em nós. Tenho a certeza que o César Bórgia que existiu era um banal e um estúpido, tinha de o ser porque existir é sempre estúpido e banal.

Dou-vos estes conselhos desinteressadametne, aplicando o meu método a um caso que me não interessa. Pessoalmente, os meus sonhos são de império e glória; não são sensuais de modo algum. Mas quero vos-ser útil, ainda que mais não seja, só pra me arreliar, porque detesto o útil. Sou altruísta a meu modo.

Proponho-me ensinar-lhes como trair o seu marido em imaginação. Acreditem-me: só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição sine qua non de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor. Concedo que a inferioridade feminina precisa de macho. Acho que, ao menos, se deve limitar a um macho só, fazendo dele, se disso precisar, centro de um círculo, de raio crescente, de machos imaginados. A melhor ocasião para fazer isso é nos dias que antecedem os da menstruação. Assim: Imaginam o seu marido mais branco de corpo. Se imaginam bem, senti-lo-ão mais branco sobre si. Retenham todo o gesto de sensualidade excessiva. Beijem o marido que lhes estiver em cima do corpo, e mudem com a imaginação o homem num olhar - lembrem quemlhes estiver em cima da alma. A essência do prazer é o desdobramento. Abram a porta da janela ao Felino em vós.

Como tracasser o marido. Importa que o marido às vezes se zangue. O essencial é começar a sentir a atração pelas coisas que repugnam, não perdendo a disciplina exterior. A maior disciplina interior junta à máxima disciplina exterior compõe a perfeita sensualidade. Cada gesto que realiza um sonho ou um desejo, irrealiza-o realmente. A substituição não é tão difícil como julgam. Chamo substituição à prática que consiste em imaginar-se a gozar com um homem A, quando se está copulando com um homem B. Minhas queridas discípulas, desejo-lhes, com um fiel cumprimento dos meus conselhos, inúmeras e desdobradas volúpias com o, não nos "atos do", animal macho a que a Igreja ou o Estado as tiver atado pelo ventre e pelo apelido. É fincando os pés no solo que a ave desprende o vôo. Que esta imgem, minhas ilhas, vos seja a perpétua lembrança do único mandamento espiritual. Ser uma cocotte, cheia de todos os modos de vícios, sem trair o marido, nem sequer com um olhar - a volúpia disto, e souberdes consegui-lo. Ser cocotte para dentro, trair o marido para dentro, está-lo traindo nos abraços que lhe dais, não ser para ele o sentido do beijo que lhe dais - oh mulheres superiores, ó minhas misteriosas Cerebrais - a volúpia é isso.

Por que não aconselho eu isto aos homens também? Porque o homem é outra espécie de ente. Se é inferior, recomendo-lhe que use de quantas mulheres puder: faça isso e sirva-se do meu desprezo quando .... E o homem superior não tem necessidade de nenhuma mulher. Não precisa de posse sexual para sua volúpia. Ora a mulher, mesmo superior, não aceita isso: a mulher é essencialmente sexual.

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