sexta-feira, julho 20, 2007


Nahuelbuta.

Estranho, eu admito. Irreal, por demais. Uma história que se passa num Aquário, cujos personagens principais são dois peixes. Não, não é Nemo. Mas trata de profundidade, asa quebrada e dor. É, me perdoe: geralmente quando apaixonada, fico desconfiada, ambígua diante de. Seduzo por espírito de companheirismo, por gostar do jogo e da conquista. Eu sempre adorei o momento em que a outra parte é trespassada pela flecha de minha solicitude, o seu recuo súbito, quase imperceptível... O avanço hesitante do olhar de retribuição... Nessas horas, digo coisas amáveis, me aproximo com desenvoltura, mas todo olhar clínico e atento do outro perceberá a distância que sempre guardei de tudo - como se a qualquer momento eu pudesse sair desse casulo construído por mim, onde me envolvi, evitando explosões ao caminhar em terreno minado. Essa parte você conhece muito bem, meu Amado, sabe como jogo, quais são minhas apostas e o terreno que sei conquistar. O que você nunca desconfiou ou talvez não tentou alcançar foi a outra parte de mim, aquela que distanciada ficava, à beira de nossa cama, olhando para nossa vida, desencantada e em lágrimas.

Sei que tudo isso faz parte de representações de meu passado, uma época que considero mergulhada na escuridão. Acreditava que amar era só uma necessidade carnal, desejo de um membro de homem, vontade de ter filhos, instintos parecidos aos das vacas. Quando nos uníamos, jamais nos vimos. Eu, engordando, acumulando frustrações, lutando em cada cópula para ser a mulher perfeita para você, para explodir de prazer feroz e sem refinamento. Nenhum de nós - esta é a verdade nua e crua, soube acariciar e ser terno, deixar de ser um para fundir-se e ser dois-em-um. Um no outro. Você, constantemente voltado aos seus assuntos, compreendo, precisando sempre estudar e estar atento a esta realidade cruel, escritório, reuniões, consultório. Eu, sonhadora, apaixonada, querendo o mundo e mais um pouco... Vontade imensa de viajar, viver, ser... Em resumo: separados, mas vivendo sob o mesmo teto. Por que nunca se interessou em conhecer minha Verdadeira Pessoa? Aquela que carrego dentro, sem máscaras, frágil, indecisa e cheia de paixão? Via uma santa dona de casa, perfeita parceira e decorada de nosso mundo, amável anfitriã; e isso lhe bastou? Deixou que me entendiasse, meus sonhos amarrotados, guardados dentro de uma gaveta, nada lhe importando? O que somos e continuamos sendo? Seres primitivos, sociáveis, fruto de uma cultura que preserva o materialismo e as conversas superficiais. Perdemos com isso o sal da vida, o gozo terno. E enquanto tudo acontecia, me sentia secar por dentro... Seca Ameixa preta, meu codnome, muito prazer.

A felicidade que não tinha me fazia inchar, meu corpo transmitia o que por dentro se agitava. Muitas vezes olhei para outros homens, como se fossem frutos proibidos, maravilhosos... mas na hora, cheia de culpa, hipnotizada, voltava-me para você, me afogando em seu sexo, no seu vazio, na sua brutalidade de homem-inconsciente, que nunca aprendeu a se doar com muito medo de amar. Sei que aceitei sem vacilar o sacrifício de engavetar minhas paixões, diante da segurança que me proporcionaste. Me desculpe, querido, naquela época não sabia que amor, além de essencial, é um milagre e ocorre, mesmo com todas as portas trancadas. Você deve imaginar que algum dia fui insincera contigo, mas acredite: jamais o enganei. De algum modo estranho e amigo tenho profundo sentimento por ti, e me abalo ao saber de sua provável tristeza. Eu nunca imaginei me apaixonar desse jeito, e nem por tal pessoa, pois quando apertei sua mão e aceitei caminhar ao seu lado, queria muito ser-lhe fiel até a morte, e que jamais eu provocasse algum sofrimento em torno de nós. O que desvelo agora é que não se pode lutar contra a natureza; ou como alguns chamam - o destino.

Eu não sei quando começou: aconteceu repentinamente, sem premeditação, uma catastrófe tão grande como um terremoto. Num átimo de tempo, sem muita cautela, ele era outro ser, diferente daquele que eu conhecera; e eu alguém modificada, ou quem sabe unificada. Ameaça, desafio, fragilidade - tudo ao mesmo tempo passou pelo meu corpo, que já não comportava armaduras. Tudo rodopiava em minha mente, que não conseguia mais lançar passos de distância em defesa de. Trago viva a memória daqueles dias onde a ordem desrespeitou a vontade, desprezando todo e qualquer outro sentimento. Espera: me precipito, o que houve é que comecei a acreditar na fábula da pessoa querida e inteligente, e mais tarde amada. Sem perceber, pouco a pouco fui encontrando em outros olhos meus desejos reprimidos, meu sexo se enchia de água ao mero sussuro de palavras suas, e mesmo me afastando sempre, pois não queria de forma alguma que esse abalo sismico sobreviesse até nós... um momento depois, nova ventania, e eu lutando contra essa loucura. Sei que nessa época já nos encontrávamos perdidos: todos, um a um, leite esparramado pela cozinha.

Me perguntas o que fiz para conter tal desejo: te revelo que usei todos os escudos que uma mulher conhece - a inércia, a distância - ,mesmo com o desespero me queimando diariamente, por dentro. Recolhi-me e observei tantas vezes a questão, busquei tantos caminhos e respostas, seria questão de abduzação? Caviloso. Minha alma se escondia desse perigo, farejava pólvora, pensava que não estava sequer conquistada, pois como sabes, é tão árdua e difícil embrulhada segurar meu coração, e atravessá-lo com sentimento. Nunca fui dada a sentimentos repentinos. Tentei depois, e adianto, inutilmente, ficar ao lado dos fortes, e vi que não era suficientemente forte para sustentar a arrogância de saber-me curvada e desmanchando em tristeza, sem nada fazer. Me vi sendo falsa, despojamento planejado. Desisti: quis ser só verdadeira. Precisava dos cadernos caseiros da mulher-goiabada que eu era. Da bruxa cismarenta que me tornara. Ali, naquelas múltiplas palavras, havia memória e cinza. "viens mon chat, sur mon coeur amourex..." Sem este amor revelado pelo desatino, meus olhos estavam desertos... nunca notou? Meus ouvidos, murchos, meu tato, áspero. O ar estava envenenado, e cada novo dia era para mim uma ponte negra a ser atravessada montada em uma égua cega. Como não notou o quão sofredora estava? Por que não me acolheu nos seus braços e descobriu-me, pétala a pétala?

As horas corriam, e meu coração em fogaréu. Todos impassíveis, o telefone mudo, resolvi continuar com nossa casa, nossa construção, nossa vida de recortes de jornal. Pensei que pudesse me consolar em você, lamber como gata minhas feridas, mas tu és um comodista, apático, pois eu ali, rolando de aflição, e você tateando em muitas direções. Vejo-o em pensamento, e peço-lhe perdão pela janela que abri. Através dela percebi todo o sistema burguês que nos envolvia, a importância da aparência, comecei a achar graça nas coisas desengraçadas. Sem sarcasmo, foi isso que me impediu de, sem Ele, virar uma esponja de fel. Confesso que da sina de acabar nada, ausente de emoções, oca, inerte... não escapei. Houve uma trégua - e pensei estar salva. Talvez a dor de amar tivesse se curado com a benzedura, malefício que corta tudo com rezas, alecrim queimando, fumo e teia de aranha. Engano meu: no espelho de algum dia percebi os olhos cheios de lágrimas, perplexa como uma boneca. Deusa caída e rendida.

Por que não me disse nada? Apertava-o demoradamente contra o meu peito, suspirando e esperando. Por que não me disse o que tinha pela frente? Nos farrapos de minha memória não encontro um sinal de você estendendo-me sua mão, me salvando desse furacão. Por que me deixou sozinha, na tempestade, no silêncio de cada noite mal-dormida? Ousei até, creia, costurar com linha dupla a ferida que jazia aberta dentro do meu peito, clamando por aquele homem. Odiar não, pois faz mal pro fígado, sem falar no perigo da úlcera, lumbago. Dentro de mim havia a certeza de que mais dia, menos dia haveria o rompimento desta falsa harmonia que vivia, desse falso equilíbrio que teimava em caminhar, e mesmo intensa, continuava com a farsa de pálida fantasminha de amor. Um dia, eu tinha consciência, os preconceitos desapareceriam - o amor reencontrado era muito forte.

Não há separação entre nós - entenda -, nossos princípios claros e escuros se entrelaçam porque feitos do mesmo material, e dançam no oceano eterno. Somos dois gritos melodiosos que surgiram como uma jóia numa fase de nossa vida que já considerávamos morta e sem sentido. Com ele, necessito de tão pouco para sorrir: agordo amando a terra, o céu, os amanheceres, o sabor do ar, as flores que planto. Quero estar viva, descoberta, desvelada... pois dentro de mim me encontro cheia e nutrida. Ah, como gostaria que você também algum dia se abandonasse às asas do Amor. De alguma maneira, te falo, assim como nos encontramos e aprendemos um com o outro, eu e Ele também estamos destinados a cruzar o caminho do outro. Hoje sei que não posso mais andar sozinha, sem ele ao lado, pois necessito dos momentos que costuram nossa história e nos empurram para um encontro perfeito. Mais do que isso, sinceramente querido, eu também não sei...

Odiar e nem amar é fácil. Eu percorri milhas desse caminho. A paixão é laboriosa, exige fervor, a pele esquenta. Se tens alma de gelo, se afaste desse sentimento. Pois Amor não se define, se contorna. No alheamento que chamamos de privacidade, ele se guarda e se extravaza. Não se faz perguntas sobre porque amamos, e nem muito menos questionamos a quem - as frases e os gestos nunca são sem defesas. Ele, com seu florete, tocou reto meu coração, que nem se encontrava exposto. O apaziguamento me veio quando desisti de buscar fugas, e comecei a reencontrar-me - fragmentos de imagens estilhaçadas, que se encaixavam suavemente, pois ajudada por ele na tentativa de me compor Una. Renunciei a porta de saída de emergência: quero uma vida limpa, coração sem mágoas ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono, haverá força para se voltar na direção do meu Amado, como um girassol, na despedida do crepúsculo. Eu preciso disso, e desejo que ao menos sejas feliz. Não esqueças que enquanto sonhamos, tudo é vago, leve, mudo. Quando vivemos alcançamos estrelas, caímos de treze andares, estatelamos muitas vezes de cara ao chão, rezamos por momentos seguros. O amor não tem disciplina, nem método, nem arrumação. Nunca estará direitinho nos lugares, como cálculo e álgebra. E logo depois, quando nos jogamos profundamente um nos braços do outro, vemos que essa indisciplina, insegurança e tristeza é só na aparência, na superfície, pura casca. Lá nas profundezas, o amor é de uma ordem e harmonia só comparável a abóbada celeste.

Não quero que penses que hoje sou uma mulher forte e totalmente feliz. Ainda ouço vozes: "e se a vida estiver lá fora, nesse Amor que desdenho?" E se o desvio da minha rota foi exatamente esse que escolho? Haverá ainda tempo de consertar? Quanto a isso, meu querido, só o tempo e você um dia poderão me responder. Até lá, tenho que viver o que se encontra impregnado em mim.

(Isto é ficção - me aluguei para sonhar para uma amiga).

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