sexta-feira, julho 20, 2007


Melhorei depois disso? Eu escrevia muito.

Muito (quantidade) rs.

Inveja, a Irmã Mitológica
Emoção sorrateira, maléfica e, sobretudo, insaciável, pois deseja sempre a aniquilação do outro, vorazmente, para Kant, a inveja seria uma admiração que se dissimula. Esta emoção, inveja, é para Sanford "um dos principais incitadores da maioria dos artifícios femininos para se alcançar algo que deseja, como o poder, o amor e a felicidade. Quem vive o Mito da Irmã só sabe utilizar-se das artimanhas de Afrodite, uma das três faces da Grande Mãe, pois sua personalidade multifacetada é ainda desconhecida de si próprio. Não sabendo quem é, também não sabe quem amar... a não ser o pseudo amor que devota a si, vendo na sua figura um objeto de adoração, a quem todos deveriam ouvir, seguir e nutrir afeto. Porém nem "a pessoa que vive o dilema do mito da Irmã" consegue verdadeiramente encarar-se no espelho, pois sabe de todos os seus fracassos e convive com sua história real, carregando-a como sombra...

Lúcifer é o protótipo da inveja pelo complexo de superioridade. Ele queria ser Deus e se perguntava: " Porque ele e não eu?" Na história de Aglauros, que é um dos mitos narrados por Ovídio nas Metamorfoses, novamente temos o mito da Irmã desenvolvido. Aglauros é a irmã de Hersé, cuja beleza extraordinária atiça o desejo do deus Hermes. Este pede a Aglauros que favoreça seus amores; a moça concorda, mas exige algo em troca - um punhado de moedas de ouro. Isto irrita Palas Atena, que já detestava a jovem porque esta a havia espionado numa outra ocasião. Não tolera ver a mortal recompensada por outro deus; decide vingar-se, e a vingança é terrível: Palas Atena vai até a morada da Inveja e ordena-lhe que vá "infectar com sua baba a jovem Aglauros".

"A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o sol. Nenhum vento o atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas[...]. A palidez cobre seu rosto, seu corpo é descarnado, o olhar não se fixa em parte alguma. Tem os dentes manchados de tártaro, o seio esverdeado pela bile, a língua úmida de veneno. Ela ignora o sorriso, salvo aquele que é excitado pela visão da dor[...]. Assiste com despeito aos sucessos dos homens, e este espetáculo a corrói; ao dilacerar os outros, ela se dilacera a si mesma, e este é seu suplício". Quando entrou no quarto de Aglauros, [a Inveja] executa a ordem recebida. Coloca sobre o seio dela uma mão manchada de ferrugem, espeta seu coração com farpas pontiagudas, lhe insufla um vírus pernicioso, faz correr em seus ossos e espalha pelos seus pulmões um negro veneno[...]. E põe sob os olhos dela, a irmã, denun ciar tudo, como um crime, ao pai inflexível... a fortunada união desta irmã, a imagem sedutora do deus, exagerando tudo. Irritada com o que vê, Aglauros sente a mordida de uma dor secreta; ansiosa, ela geme noite e dia, e, no ápice da miséria, se consome lentamente[...]. A felicidade de Hersé a consome devagar[...]. Muitas vezes quis morrer, para não mais ver tal espetáculo. O que Aglauros vê é a "afortunada união da irmã, "a felicidade de Hersé".

Este ponto é capital: Hersé agora possui algo(o amor do deus) que faz a sua felicidade e a completa, no sentido literal da palavra. É absolutamente essencial compreender que Aglauros não quer o amor do deus, tanto que chega a pensar no suicídio para não ter de contemplá-lo. Mais uma vez, o importante é privar a irmã do que nela é invejado ("denunciar tudo no pai inflexível"). Reparem na associação da inveja com o olhar ("assiste", "o olhar não se fixa"); este tema é clássico, e ainda não encontramos uma explicação para ele. Os outros elementos nos são conhecidos: a Inveja se alegra com a dor de outrem, e a realização de seus propósitos tampouco a deixa feliz – ao dilacerar as felizes, ela se dilacera a si própria. Esta é uma forma poética de dizer que a Inveja contém desejo, mas não se reduz a ele; o desejo de privar outrem de sua felicidade é nela mais decisivo do que obter a posse da coisa invejada.

Para entender e poder compreender melhor quem padece desse "mal" do mito da irmã, mister se faz aqui 3 distinções: ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha. A inveja é um vírus que se caracteriza pela ausência de sintomas aparentes. Só a inveja se esconde, por isso sorrateira, não é explícita, o que todos vêem aparentemente é a imagem que Psiquê tinha de suas irmãs: mulheres que a amavam e lhe queriam muito bem. Nelson Rodrigues já dizia: "há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium, depois de morto". Uma delas certamente é a inveja. Essa dama indigna, de má reputação e péssimo caráter, sorrateira, capaz de, com um simples olhar, murchar plantas e secar pimenteiras, pode estar agora ao seu lado, ou fazer parte de algum grupo amigo. Quem sabe não encontramos tal criatura em alguma chat-lista, se fazendo passar por escritora, quando jamais publicou nada, nem concluiu o que tanto alardeia?

A iconografia da Inveja foi sempre pobre e feia: seu símbolo é a serpente. Porém nem todos que vivenciam esse mito na sua vida denotam impressão feia - são peritos em esconder o que são, e forjar o que sentem, destruindo àqueles que possuem a personalidade que jamais tiveram. Esse é o objetivo soturno. Aquela que vive o mito da Irmã sofre de "Dristitia de alienes bonis" (famosa frase de São Tomás de Aquino que define a "tristeza" que se tem em relação às " coisas boas dos outros"), e nesse sofrimento, cria ódio e amargor. Mesmo quando a inveja colabora para a formação de algo agradável, como ocorreu com Psiquê, onde as Irmãs verdes de inveja a levaram a conhecer o Amor de verdade, e não a mera adoração por um deus, não devemos nos iludir: dos invejosos não há nada para receber, pois tudo o que possuem ou foi roubado, furtado ou emprestado.

Conta a história que na Ántiga Grécia já havia a obsessão pela inveja, usando o verbo "baskainein" para enfeitiçar com o mau-olhado. Os romantos também fascinavam, ou seja, empregavam o termo "fascinare" no sentido de dominar magicamente com o olhar, acreditando que, não apenas as pessoas , mas também animais como a cobra , crocodilo lobos e gatos detinham o poder de fascinar. Fascinando ou enfeitiçando, acreditavam que "iriam apagar a chama do sucesso do semelhante". O mau-olhado está na própria constituição etimológica da palavra inveja.

Invidere em latim, significa olhar enviesado, de soslaio. E olhar enviesado é "mau-olhado" - é o fazer mal , causar malefícios com o olhar , projetar impulsos destrutivos em alguém. Ainda que o sentimento do invejoso seja um estado de espírito que mobiliza vários sentidos, o seu poder simbólico está concentrado no olhar. O filósofo Francis Bacon chamava a inveja de "ejaculação do olho". Quem já não reparou em alguém que, fazendo caras e bocas, usa o olhar para "demonstrar" o que é, ou a força que tem? Pois é, provavelmente você estava diante de alguém que não suportaria ver você vivendo o que ela sempre quis.

Nas representações artísticas, há exemplos clássicos da associação do olhar com a inveja, como na Divina Comédia, onde Dante concentrava o castigo divino nos olhos, colocando os invejosos no segundo patamar do baixo purgatório, envoltos em cilício, colados em uma parede rochosa com as pálbebras costuradas com fios de aço. Embora algumas vítimas clássicas da inveja, como Abel e Otelo, não tivessem percebido as artimanhas e maquiavelismos de seus algozes, Caim e Iago, podemos desenvolver defesas e disfarces, às vezes sem sentir, diante de tais vis criaturas. As moças, antigamente, eram educadas para se defenderem dos elogios à queima-roupa. Quando uma colega lhes dizia "Você está linda!" , deveriam responder : "São os seus olhos." Atrás da delicadeza, havia o artifício de devolver ao olhar da observadora, o que de ruim ela pudesse estar desejando.

Textos clássicos da antropologia dizem que "Inveja tem a ver com conflito: entre vizinhos, entre papéis sexuais, na família, na hierarquia social, muitas vezes entre mulheres". "A inveja é uma forma ativa de energia que se transmite pelo olhar e pela vontade". O filósofo Demócrito acreditava que o invejoso liberava "átomos raivosos" e "maus". Heliodoro e Plutarco se referiam a "flechas envenenadas" , "ar envenenado" , "cheiro" e "vozes". Para os gregos antigos , raios e relâmpagos faziam parte da fúria da inveja. Também a tradição judaica acreditava que o mau-olhado concentrava dentro de si o "elemento fogo" e Francis Bacon , muito mais tarde , chegava a falar de "raios venenosos" que a inveja emitia e que o invejoso disparava nos outros. Sócrates, um invejado em seu tempo, dizia que a inveja era uma espécie de dor, o invejoso era quem se aborrecia com o sucesso dos amigos.

Platão considerava seu mestre uma vítima da inveja e chegou a escrever na Apologia que Sócrates também estava convencido de que tinha sido condenado por "calúnia e inveja de muitos". Santo Agostinho via na inveja "o pecado diabólico por excelência" e dizia "da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer causado por sua prosperidade. Fácil identificar agora quem vive o Mito da Irmã: geralmente são as pessoas que sabem caluniar, difamar ou desgraçar todos aqueles que passaram pelo seu caminho, pois o invejoso além de detestar saber que o outro não está mais na situação sofredora que deveria estar, odeia quando descobre que conseguiu subir acima de sua pessoa. Não se sente inveja daqueles que estão abaixo de nós.

O que pode desencandear o monstro verde da Inveja, e a aparição real ou virtual da irmã, são as falas venenosas, que demonstram a intensidade do desejo com relação ao objeto que perdeu. Enquanto estiver quieta haverá apenas uma frustração por não possuir o objeto. Também se percebe a inveja quando, na situação, a coisa desejada está escassa. Atualmente o que encontramos todos buscando é um homem ou mulher. Este seria o caso, por exemplo, quando uma pessoa, que tem uma posição semelhante à nossa, possui alguém, e a posse é vista como adquirida, não através de mérito ou situação especial, mas de maneira "desleal", uma traição. Aqui a situação se complicará, pois além de estarmos diante de alguém dominado pelo mito da Irmã, insana e paranóica, também carregará o ressentimento, acarretado por alguma atitude passada, relativa à pessoa que inveja. Dupla carga de emoção invejosa, gerando ódio desenfreado.

São preocupantes não tanto aquela inveja, que todo mundo de alguma maneira pode sentir, em alguma fase de sua vida, mas os casos em que a pessoa não encontre "nada a elogiar ou a valorizar em outro indivíduo e só acha dúvidas : "bem, estava bom, mas...". Entre as formas de manifestação invejosa, se detém, hoje em dia, na "provocação", que ocorre quando alguém inveja, por exemplo, "a tranquilidade e a paz de espírito de outra pessoa e se põe a cutucá - la, até que ela perca a calma."

"Quem se esforça para despertar inveja é também invejoso", essa ventura única que consiste em parecer aos outros invejável, aparece em textos e entrevistas. Há vários provérbios russos com esse mesmo sentido, citados por Helmut Schoeck em L’envie. "A inveja transforma uma folha de grama em palmeira" ; "no olho do invejoso, um cogumelo vira palmeira"; "o olho invejoso faz de anões elefantes".

Portanto, a "Irmã", como no mito de Psiquê, sempre descreverá sua vida como "maravilhosa", e esforçar-se-á para que outros a invejem, colocando em eloqüência muitas coisas que faz, conhecimento que tem, viagens e prazeres que possui. Só assim consegue apaziguar a dor que a inveja provoca, corroendo seu íntimo, "numa ânsia em aniquilar psiquê, ou a Alma".

Bibliografia

* Klein, Melaine. Inveja e Gratidão.
* Ventura, Zuenir. Inveja mal secreto.
* Krech, David. Elementos de Psicologia I.
* Mezan, Renato. Ensaio sobre a Inveja.
* Filme: "Seven – Os setes pecados capitais", de David Fincher.

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"Sucesso no Brasil é ofensa pessoal." (Tom Jobim)

"A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o sol" (Ovídio)

"... a inveja destrói como câncer." (Bíblia, Provérbios 14:30)

"Não há ódio mais implacável que o da inveja." (Arthur Schopenhauer)

"O invejoso chora mais o bem alheio que o próprio dano." (Francisco de Quevedo)

"A emulação é a paixão das almas nobres; a inveja, o suplício das almas vis." (Jean François Marmontel)

"Podemos descrever o nosso ódio, o nosso ciúme, os nossos medos, as nossas vergonhas. Mas não a nossa inveja." (Francisco Alberoni)

"A inveja é uma merda. Os invejosos também." (Adesivo de automóvel)

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