sexta-feira, julho 20, 2007


Diana, por Cloé.

Anteros

"Tenho do amor profundo e do uso proveitoso dele um conceito superficial e decorativo. Sou sujeito a paixões visuais. Guardo intacto o coração dado a mais irreais destinos. Não me lembro de ter amado senão o "quadro" em alguém, o puro exterior - em que a alma não entra para mais que fazer esse exterior animado e vivo - e assim diferente dos quadros que os pintores fazem. Amo assim: fixo, por bela, atraente, ou de outro modo qualquer, amável, uma figura, de homem/mulher, e essa figura me obceca, me prende, se apodera de mim. Porém não quero mais vê-la, nem olho nada com mais horror que a possibilidade de vir a conhecer e a falar à pessoa real que essa figura aparentemente manifesta. Amo com o olhar, e nem com a fantasia.

Porque nada fantasio dessa figura que me prende. Não me imagino ligado a ela de outra maneira, porque o meu amor decerto não tem de mais para dizer. Não me interessa saber quem é, que faz, que pensa a criatura que me dá para ver o seu aspecto exterior. A imensa série de pessoas e de coisas que forma o mundo é para mim uma galeria interminável de quadros, cujo interior não me interessa. Não me interessa, porque a alma é monótona, e sempre a mesma em toda a gente; diferem apenas as suas manifestações pessoais, e o melhor dela é o que transborda para o sonho, para os modos, para os gestos, e assim entra para o quadro que me prende, e em que visiono caras constantes a essa afeição."

Fernando Pessoa, transcrito por Palova Lemincka.

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