sexta-feira, julho 20, 2007


Darumá,


Darumá vem sem olhos: quando você quiser que o seu desejo se realize, pinte um dos seus olhos e, se o pedido for atendido, o outro deverá ser pintado em sinal de gratidão.

Esse bonequinho ocupou espaço na minha mesa, pousado no lado leste, portador de um olho somente. Alento. Foi o que o darumá me trouxe, a cada piscadela para seu lado, é como se me sussurrasse "ei, tudo vai ficar bem". Sei, sei... amuletos e talismãs são coisas do outro-lado-de-lá, logo eu tão certa e convicta de que nenhuma crença merece minha atenção, fui dobrada por esse pequenino homenzinho. É, realmente os homens andam me fazendo dobrar meus joelhos.

Não sei se o tal darumá atrairá boa sorte, se conseguirá repelir o mau-olhado e a inveja da BruxaMá, tudo o que sei é que quando me deparei com isso, numa imitação grotesca do mercado de pulgas que existe por aqui, foi amor à primeira vista. Senti que me protegia, e disso adveio bem-ventura, vento mensageiro portando boas novas. Não sei sei foi a chegada do vermelhinho, ou se foi mesmo desígnios e destinos já demarcados, tudo o que me faz sorrir agora é o aperto novamente presente, o sorriso matreiro enquanto faço contas e cálculos enormes, o coração levitando quando alcanço o ônibus, já na rua, de cara limpa e cabelos molhados.

Segundo a tradição dos japoneses, Darumá, o grande apóstolo indiano do budismo, veio à China. Consta que, por voluntária desistência das efêmeras alegrias terrenas, começou a dedicar a passar a vida de joelhos sobre o solo pedregoso, absorto em contemplação mística, sem mesmo permitir-se o simples regalo de dormir. Em certa noite, suas pálpebras cerraram de fadiga, e o bom Darumá deixou-se adormecer, para só acordar pela manhã. Então, pedindo a alguém uma tesoura ou instrumento parecido, cortou a si próprio as pálpebras indignas e arremessou-as ao solo, num gesto de despeito. As pálpebras, por milagre enraizaram, nascendo um arbusto nunca visto, cujas folhas foram fervidas, tornando-se um remédio precioso contra o sono e contra o cansaço das vigílias: estava conhecido o chá.

A história é mito, lenda popular. Não preciso de ninguém me dizendo que são tolices - gosto de fantasias, e sobrevivo de desejos. Darumá necessita de um nome, e isso me faz ir adiante. Me prosto e medito: terei eu ainda muito tempo nessa posição, de quatro por ti? Por ora, quer por favor sentar-se aqui, diante de mim, pra eu poder contemplar todo o Amor que vejo sair de mim? Se você for embora, o que sinto por ti não vai mudar, nem vai ficar trancado. Vou acalentar, e guardar para sempre este sentimento e tudo que compartilhamos. Eu tenho a certeza de nosso amor, isso é o bastante. O primeiro olho. Eu o amo o suficiente para deixá-lo ir embora, ou para virar minhas costas e prosseguir no meu caminho. Não há mais ninguém aqui temerosa, preocupada ou pregando sombras. Não sei se o amo para ficar e viver com você, sem arrependimentos, culpas ou condições... Mire o meu darumá, amor: não há previsões de segundo olho.

Cruzo o portão que tantas vezes já nos separou, sem mais delongas, nem tchaus. Só choro depois da esquina, ainda o amo. De quem é a culpa? Da paixão, do acaso ou dos deuses? Raiva a gente desconta, mais que cheque, e não fiz nada que não quiseram fazer. Arrepender, eu já me arrependi de tudo, mas chutar minha história de amor, nem por caldo de cana e pastel em feira, pois sei que a esfolada seria eu, deitada ali no chão. Os problemas existem quando a gente pensa neles, evitem me dizer que há perigo, do outro lado da rua. Eu não quero ouvir advertências: me deixe viver na ignorância, mergulhando nessa paixão, sozinha e muda.

Eu preciso vencer a rua que atravessa o meu caminho.

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