sexta-feira, julho 20, 2007


Azul

Meu coração é teu coração? Quem me reflete pensamentos? Quem me empresta esta paixão sem raízes?*

Nostalgia, a algia do Nostos. Uma algia é uma dor, ou um sofrimento, de natureza física ou moral. Mas... e Nostos? Palavra-chave da Odisséia, uma das que reaparecem periodicamente, significa "desejo de volta". Palavra que só pode ter surgido de um povo de marinheiros, de gente que passava a vida longe de casa, e que todo dia desejava ardentemente retornar ao lar, à pátria. Pedido nem sempre fácil de ser executado, vejam a trajetória de Ulisses! Para mim, nostalgia é a dor experimentada quando se quer muito voltar para casa, e isso muitas vezes é difícil ou impossível. Sempre que ouço essa palavra - Nostalgia, imagino um Ulisses chorando, suplicando na praia da ilha de Calipso à ninfa que o deixe voltar para casa... E sempre que a leio num texto ou poema, penso estar ouvindo na areia o infinito lamento, o ir e vir de um mar em que cada onda, ao morrer diz: nostos...nostos...nostos...

"Deixaria por aqui, neste texto, toda a minha alma. Aqui, neste local que já viveu comigo tantas dores e horas santas. Que pena das letras que se levantaram, e lentamente passaram, deixando-me faminta das rosas e estrelas que preenchiam meus momentos. Vejo passar nós, espectros e espectadores de nossas vidas, desnudos... pégasos sem asas, prisioneiros dos desejos e de escolhas; veredas impossíveis".

Engraçado como hoje vivemos para compromissos morais, e qualquer situação que nos fuja do controle acaba gerando misto de excitação e medo. Ainda que nada do que façamos possa caracterizar qualquer tipo de delito. É uma pena que, apesar de nossa cumplicidade, tenhamos uma "odisséia" inteira para nos aproximar e nos reorientar. Talvez seja meu lado obscuro, aquele segundo eu, que a gente tenta domar todo dia, e renasce incontrolável, a cada nova situação interessante. Fixamos o "porto seguro", o qual adquire ar intocável - de "quase santidade", e nos jogamos à novas experiências, para satisfação de nossos Egos. Assim como vejo você um igual, também admiro aquele é o Oposto. Nós, do mundo mágico somos mais forte e resistimos mais. Será? Estamos correndo riscos... Ora, ouvir estrelas, ou brincar com fogo, sei tão bem quanto qualquer Sherazade, que manipula e dimensiona o uso das palavras, o limite do uso seguro. E vou além: faço arder sentimentos inconfessáveis, transtornando oceanos dentro de si. Entrega ou posse? O que diria Freud do que eu quero? Platão seria abstrato, não material, inexistente, não haveria dor, culpa, consciência ou arrependimento. Nada aconteceu. Viveríamos na paz do não saber. Entretanto, sabemos do atrito, da faísa, do inflamável desejo, da nostalgia, e da imensa vontade de voltar a Ítaca, de comungar em nossos abraços enroscados. Relembra o escritor irlandês Oscar Wilde: "algumas tentações são tão grandes que é preciso muita coragem para ceder a elas". Todos sabemos que na vida aprendemos mais com dez dias de agonia, do que com anos de segurança e pseudo-felicidade. Dentro de nosssas diferenças, como somos parecidos - Ampliar para dominar. Na minha vida as coisas sempre acontecem de uma maneira inesperada, feito vento, tufão.

Saudação a minha Senhora! A vida me leva, e eu me carrego adiante. Preciso do "novo" para todo dia não morrer de tédio. Decisões intuitivas e muitas vezes, sem sentido, dão lugar ao reconhecimento e à alegria (pra não dizer tesão mesmo!), e esse prazer é o que me move. Mesmo que o passado não contribua, a nostalgia me impele a chegar até a minha Ítaca, e desfrutar da mesa e da cama com Meu Deus. E aqui, a cozinheira larga o avental e continua sua Odisséia. Não mais como simples mortal, mas metamorfoseada em Core, Sphinx, a esfinge... uma devoradora de homens. "Meu coração é um cristal vivo na transparência do tempo. Sou campo, sou arado. Sou a serenidade do Si, que encontrou seu verdadeiro rosto"; e é com Jacques Lacarriére que me perco no mar...nos olhos seus..."Compreendi, então, que a vida não é uma sonata que, para realizar sua beleza tem que ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, que cada momento..."***

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: a noite está estrelada,
E cintilam azuis, os astros, à distância.
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis.
Nas noites como esta a tive entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob este céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a quis...
(...)Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.**
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Devidos Créditos:
*Lorca
**Pablo Neruda
***Rubem Alves

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