quarta-feira, julho 19, 2006


No avesso:.

Como traduzir, desmontar uma impressão, perceber por que gostamos de algo? Até sabermos explicar passam dias, passam meses. Depois, de repente, sem se dar conta, encontramos a música que não conheciamos, desvendamos o som de chorar baixinho, por detrás das palavras e do riso. O coração adere antes da cabeça, sinal do que não se explica. Venham os críticos, venham os escolásticos, venham os académicos de lupa na mão para estudar o fenómeno. Não importa: ouve-se esta história como sendo nossa. Uma sucessão inglória de dias, onde tudo o que existe, a única realidade, talvez seja mesmo, só, a expectativa. Não é ela que nos mantém vivos? Acordados? Em prova? A história é a de qualquer de nós, mesmo dos que vivem a dizer a si mesmos que existem mais coisas para além do amor. Ou que conseguem viver sem ele. Claro que existem. Claro que conseguem. Mas conseguem o quê? Sem ele, a vida tem o sabor de um cozinhado sem sal. Tereza é um pássaro triste que esbanja a última esperança sem saber que é a última no aceno de um homem, nas palavras de um outro, nas mentiras que ouve e diz a si mesma. São assim, muitas vezes, as heroínas dos romances. Elas perdem, a esperança vence que remédio, ganharão quando muito uma resposta qualquer. E a resposta, onde está? Nem isso. É assim a vida: troca-se tudo por uma resposta que pode não vir, que pode nunca vir, ou vir apenas quando já a vivemos sem a reconhecermos. Teresa, Diogo, Luísa, Eduardo. Nomes comuns, sentimentos comuns, somos nós aqui. No que concedemos, no que transgredimos, no que esperamos e desesperamos, no que quase nunca passa por nós. Ou que passa, claro que passa, mas ignoramos por onde, o que vai dar no mesmo. A vida é assim. Igual a si própria, sem momentos de glória ou fins grandiosos, ou com tudo isso e uma testemunha apenas: nós. O sexo disfarçado de amor, ou o contrário a baralhar ainda mais. E depois a pergunta, sempre nova e a mesma: «Quem está aí?» Somos nós ou o outro? Nós, claro, quase sempre, mas só mais tarde nos reconhecemos. Depois do trabalho do tempo. E do amor. Porque também o descobrimos no desamor, ou no mau amor, ou nos gestos desajeitados, nas covardias, nas traições, nas precipitações. Amor. Anda por aqui, pairando como uma alegria possível, mas só parece existir na cabeça desta Teresa. É isso, finalmente: o amor da Teresa já existe. Intenso, brutal, disponível, humilde, devastador talvez. Tão grande que mete medo a quem se aproxima e afugenta quem ainda não está preparado para ele. Ou arranjou, há muito, uma definição de amor prática e portátil. Amor já há, sempre houve, mesmo naqueles que o temem ou declinam. Falta o objeto, sempre o objeto que o mereça ou não. E o amor, merece-se? Ou é sortilégio, como juram os poetas? Não sei, ninguém sabe ainda, ninguém sabe nada, sobretudo quem ama. E Teresa limita se a perguntar. Baixinho, muito baixinho: «Onde está o amor a que eu tenho direito?» Tão baixinho. Mais baixo que o riso para não o espantar. E o riso será finalmente a última coisa. A última? A única? Não, há também a esperança. Mas não se sabe, no fim, se ela começa ou acaba. Teresa continua a rir e a chorar ao mesmo tempo. E a esperança pode estar na dor ou no júbilo porque ninguém sabe onde a procurar. Teresa procurou . Será que teria encontrado? É importante porque se ela encontrou, talvez também você o encontre. O amor, sim, que outra coisa? Hoje. Qualquer dia. «Até quando?», como ela mesma pergunta. E todos notam que Tereza está diferente. Diferente porquê? Será paz ou renúncia, lucidez ou cansaço? Amor... talvez.

Rita Ferro

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