domingo, julho 23, 2006


.:Inês é morta:.

Há muito e muito tempo atrás, existiu no Reino de Portugal e da Espanha, uma mulher lindíssima, que literalmente perdeu a cabeça por seu Amado. Nascida em Monforte, no ano de 1325, Inês de Castro era filha bastarda de um notável cavaleiro galego (primo, inclusive, de D. Pedro), Pedro Fernández de Castro, com a portuguesa Aldonza Suárez de Valladares, veio ao mundo com a sina de conquistar um dos maiores heróis portugueses, D. Pedro, o princípe herdeiro do Reino de Portugal, filho do Rei Afonso IV, e ser tomada por um amor tal, que ficaria para sempre na história mundial, mesmo morta com somente 35 anos. Esta bela dama galega, de sobrenome Castro, tendo irmãos intrometidos e guerreiros, prima do Infante Amado D. Pedro (08/04/1320, ariano!), em 1340, segue a Portugal no séquito de D. Constança Manoel, a prometida do herdeiro do trono lusitano, como dama-de-companhia da fidalga de Castela, a escolhida após a vitória da cristandade sobre a moirama da Península Ibérica, e eleita para o casamento real com o princípe, por ser filha de Afonso XI de Castela.

O infante, sempre insatisfeito com as uniões matrimoniais que lhe eram impostas, dispensara a primeira noiva quando esta contava apenas 14 anos, de fraca que era. Do compromisso com Constança, entretanto, não houve como evadir-se. Casaram-se, mas, porém, como o destino é quem dá as cartas, conforme naqueles tempos as adelitas já intuiam, quando o Princípe viu Inês, loira e de olhos verdes pela primeira vez, foi arrebatado de amor e desejo, tanto e muito, que diriam os mais afoitos que a palavra deveria ser perdidamente, visto que "o amor se perdeu entre eles", revelando-se adúltero e fulminante, porém destinado a perdurar no tempo. Como ainda era princípe, as ordens eram dadas por seu pai, Rei Afonso IV, e teve seu amor, Inês de Castro, quando souberam do caso, recolhido em Castelo na fronteira com a Espanha, pois que ainda era casado com D. Constança. Porém, em 1345 (ou 1349), a morte desta, que já havia lhe dado um filho, D. Fernando, lhe trouxe o que mais queria: o seu grande Amor de volta a sua cama, a seus braços e abraços. E, mesmo contra a ordem de seu pai, D. Pedro I chamou Inês de volta ao seu Castelo, já que no seu coração ela sempre permaneceu. Ali, viveram maritalmente, e tiveram três filhos.

Porém, já naquele tempo, que era ainda mais moralista e impiedoso do que os nossos atuais, a união, muito invejada, era assim açoitada de todos os lados: os súditos recriminavam tal espúria, os cortesãos mais íntimos enfureciam pelos Castros-irmãos, e clamavam por uma ação eficaz do Rei Afonso IV diante do pecado mortal. Foi tamanha a turbulência que um amor-de-verdade gerou dentro de uma sociedade que desconhecia esse sentimento, que, influenciado e temendo represálias, D. Afonso IV terminou por condenar Inês à morte em 07/01/1355, entregando-a a Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, seus conselheiros, a responsabilidade pela execução de sua nora à frente de seus 3 netos, aproveitando-se da ausência planejada de seu filho, o princípe herdeiro, D. Pedro. A decaptação da Amada de D. Pedro, Inês, ocorreu nos paços de Santa Clara, em Coimbra, e provocou a ira e o ódio de seu amor, levando-o a iniciar grande devastação pelo país, tendo ao lado leais seguidores, só se reconciliando com seu pai pelos pedidos suplicantes de sua mãe. Por intervenção a rainha Beatriz, mãe de Pedro, pai e filho acabaram por assinar a paz. Mas o infante ainda tinha ânsias de fazer com que se pagasse pelo mal cometido. Foi como bom português que soube aguardar o oportuno momento da vingança, e dois anos mais tarde, em 1357, com a morte do pai, assumiu o trono e mandou executar, com extrema crueldade, dois dos conselheiros do rei que executaram sua Amada: A um, é arrancado o coração pelas costas, a outro pelo peito. Diogo Pachego consegue fugir a tempo, de Castela para Aragão, e dali para a França. "Quem trai a quem fez traição tem cem anos de perdão..." A obsessão do agora Rei D. Pedro I passa a ser a justiça que aplica, de forma inclemente, contra criminosos quer de origem nobre, quer plebéia, sem fazer distinção entre uns e outros, o que muito agrada à arraia-miúda. Porém, mais do que fazer justiça, D. Pedro gosta é de ver aplicá-la, goza muito com o sofrimento dos condenados, e, por isso, ora dizem que é Justiceiro, ora dizem que ele é Cruel. Séculos mais tarde ainda acharão outras definições: psicopata, sádico. Não digo que não seja, mas estou em crer que a sua Inês degolada em frente dos filhos, infectou e fez purgar o lado obscuro da sua alma...

A seguir, em 1361, promove a reabilitação de sua amada, a bela Inês, levando seu cadáver, a paixão de sua vida, com ostentação e pompa jamais vistos, do Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra para o Mosteiro de Alcobaça, onde lá Inês recebeu, depois de morta, o título de rainha. A 18 de janeiro de 1367, D. Pedro I morre em Estremoz, e se junta a sua amada, nesse mosteiro, para o repouso e encontro merecido, constituindo estes túmulos duas obras primas da escultura sepulcral portuguesa da Idade Média. Os baixos relevos do túmulo de D. Inês representam cenas da vida de Jesus, da Ressurreição e do Juízo Final. Sobre a tampa está esculpida a imagem de Inês, de corpo inteiro, com coroa na cabeça como se fora rainha. As esculturas do túmulo de D. Pedro representam cenas da vida dos dois apaixonados desde a chegada de Inês a Portugal. Por sua ordem, os dois túmulos são colocados dentro da igreja, à mão direita. Conta-se também, e não sei se lenda ou realidade, que D. Pedro I teria promovido o beija-mão e o coroamento ao cadáver de Inês de Castro. Diz-se ainda que o soberano tivera o cuidado, ao dispor o seu túmulo e o de sua amada no referido mosteiro, de postar as lápides não lado a lado, mas pé com pé. Para quê? Quando tivessem, ambos, de se acordar no juízo final, poderiam um olhar nos olhos do outro. O oitavo rei de Portugal, motivado pelos fortes sentimentos que o uniam a sua amada. Tal foi a comoção nacional despertada pelos acontecimentos - e pela aura de mito que em torno deles se criou - que não passaria, a história de amor entre D. Pedro I e Inês de Castro, incólume na produção artística, seja de Portugal, seja mesmo de outras nações européias.

Essa história correu oralmente pelo povo, e literariamente, entre Camões, em "Os Lusíadas", na tragédia de Antonio Ferreira, e inúmeros outros romances de muitos idiomas. A frase célebre de Camões, A que depois de morta foi rainha, sempre terminava a história (uma de poucas) que meu pai contava, e sempre quando algum de nós apontávamos a solução, depois do "leite derramado", ele dizia: "o que importa? Agora é tarde, Inês é Morta". Peguem os panos e limpem a sujeira, e sigam adiante. A primeira vez que bati o meu carro recém-tirado da concessionária, estreando carteira nova, ele repetiu a mesma coisa: "Que adiantam as lamúrias e os "se"? Inês é morta, agora pegue a chave do meu, limpe as lágrimas, e vá pra casa com o meu. Essa frase "agora é tarde, Inês é morta" me seguiu os 4 kilômetros até em casa, e me fizeram esquecer o trauma da batida, não pensar na culpa do outro, nem enche-lo de maldições por ter feito aquilo. Era tarde, e o que me restava era seguir em frente. Uma hora, lá na frente, haveria uma oportunidade certa, um momento correto, onde eu poderia limpar a história, acendar velas e entoar hinos - não por vingança, apenas por retratação e por condução de D. Inês ao seu devido lugar. Pois sim, esta era a segunda frase que ouvia quando meu pai obtinha algo que haviam lhe tirado: "Abram o vinho, acendam velas, Inês é Rainha, mesmo depois de morta, idolatrada pelo seu povo". Porque para ele o amor e a verdade sempre seriam, no final, eternos, mesmo que tragicamente, durante certo tempo, pisoteados e cravados como cacos-de-vidros dentro de nós.

Ah, já ia esquecendo o principal para uma mulher... Se D. Pedro I foi fiel à sua musa-morta? Bem, outros amores depois da morte de Inês... Sabemos que não voltou a casar, muito menos a se amancebar. Dizem apenas que, de uma Teresa Lourenço, teve certo bastardo, ao qual pôs o nome de João, porém a história real coloca-o como filho de D. Inês de Castro, e o que sei de mesmo-mesmo é que foi esse danado-esporádico, ilegítimo e "que veio ao mundo de escapão", como diziam, que veio a ser o futuro Mestre de Avis, fundador da segunda dinastia portuguesa? Pois é, realmente tudo tem seu momento de glória, se dentro houver verdade e Amor.

E o que fica, de tudo isso que escorregou aqui? A expressão que ouvi hoje, não de meu pai, mas de duas pessoas. "Agora Inês é morta", espera pela hora certa. Convém sabermos quando é inútil certas ações tardias, adágio que também tem o sentido de que "nada mais pode ser feito", naquele exato momento. Das muitas histórias, todas terminavam com a mesma reza-canção: Nesta rua nesta rua tem um bosque, Que se chama que se chama Solidão. Dentro dele dentro dele mora um Anjo, Que roubou que roubou meu coração. Agora durma, porque dizem também que após a meia-noite os amantes costumam assombrar crianças que ficam de olhos-abertos, pra espreitar o encontro dos dois". Jamais dormi no escuro, sem cabelo ao lado pra segurar... O caso é irreversível, Inês é morta!

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