sábado, julho 15, 2006


.: Estado de Necessidade:.

.: Uma teoria já-em-uso-há-tempos-na-realidade, advinda do livro prazeroso As pernas de Úrsula e outras possibilidades, da Cláudia Tajes. Tudo nesse livro é muito bem-humorado, lógico que não é nenhuma obra secular, mas garante deleite. Apenas tirem a orelha esquerda, que a Dra. Cíntia escreveu: muita abobrinha, pra pouca horta. Parece que está falando com intelectuais, e estes jamais leriam livrinhos da Tajes. Segundo o personagem do livro:
.:Talvez a solução para um casamento em crise fosse uma das partes - de preferência no meu caso, o marido, iniciar um relacionamento com uma terceira pessoa. Havendo ainda amor entre os dois primeiros, o que pulasse a cerca fatalmente se transformaria em um cônjuge mais atencioso e afetuoso com o outro, como forma de aplacar a própria consciência. Longe de representar um ardil do traidor, esta seria, na realidade, a maneira de compensar o traído por algo que ele nem sabia estar sofrendo. E, não sabendo, viveria feliz, como vivem os ignorantes. Esta teoria não é nova, e possivelmente já se transmite de geração para geração de traidores. Mas enquanto eu acariciava o cabelo de "minha mulher", que dormia ao meu lado, tudo fazia sentido: eu ia me envolver com outra mulher também porque amava minha esposa e não queria perdê-la. Um pouco de romance, era disso que nosso casamento precisava. Mesmo que fosse o meu romance com outra mulher. Agora eu já estava pronto para acordar sem culpa:." (...) Eu estava me apaixonando, e os indícios não eram apenas físicos, embora estes fossem bem acentuados, no momento. Ela, a outra, foi embora, e eu fiquei enlevado, embevecido, arrebatado, com ela e, principalmente, comigo e com a minha incrível capacidade de transformar em realidade algo tão improvável quanto o nosso encontro. No momento, tratava-se de concilicar o meu casamento com o meu namor. Precisaria de consultoria..." (...)Hoje eu sou livre para ir aonde quiser... mas prefiro ficar no meu apartamento, sozinho. Por enquanto, tem sido o bastante, mas a namorada já começa a perguntar sobre as promessas de amor eterno, seguidas de casamento, que eu devo ter feito algum dia. (...) A verdade é que tudo tinha acontecido tão rápido... a paixão por outra pessoa, desistir de minha esposa, minha nova vida de solteiro, tudo rápido demais. A saudade do bebê L. me perturbava e era faltar Nescafé em casa que eu lembrava do lar que havia deixado. Tão organizado. Tão limpo. Tão cheio de nescafé que minha esposa comprava, no armário da cozinha. (...) Fui para a praia com a namorada e seus pais. Enquanto ela exposta ao mormaço, e aos olhares de cobiça dos atletas da bocha, resolvi dar uma caminhada na beira do mar para colocar as idéias em ordem. Ali, escutando as ondas e pulando esgotos a céu aberto, pensei na vida com uma clareza que o pedaço de Atlântico que banha o Rio Grande do Sul jamais conseguiu ter. Eu havia feito muitas coisas em um tempo muito curto. Largar um casamento de quinze anos. Conquistar o pivô da separação e mantê-lo razoavelmente entretido ao meu lado. Ser um bom pai para o bebê L., apesar das adversidades. Eu havia feito tudo isso, mas não me sentia satisfeito comigo. Estava na praia com minha namorada nova, de pernas tão maravilhosas que distraía até as equipes locais de bocha, e eu preferia caminhar sem rumo na areia quente. Eu me transformara em um chato, como meu amigo insinuara - Sempre na TPM. (...)Deus tinha sido generoso comigo. Por outro lado, era impossível negar as evidências: o mundo era maior que minha esposa e a minha namorada. Em uma praia sem atrativos como aquela, eu via mulheres de todos os tipos e jeitos, mesmo que procurasse não olhar. Morenas de maiô branco. Loiras com a parte de cima do biquiní aberta nas costas, espécie de topless familiar. Ruivas ficando mais sardentas, meninas aprendendo a virar moças e ainda aquelas com livros na mão, revistas ou jornais, ou a bula do protetor solar, que fosse. Cada uma, uma possibilidade. Então tive eu a única iluminação da minha vida, contrariando todos os avisos de apagar luzes que o governo, em crise de energia, andava espalhando. Não era a namorada que eu queria, quando me separei de minha esposa. O que eu queria, na verdade, eram as possibilidades.


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"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...", Clarice Lispector. E o que importa é tentar. Sempre.

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