quinta-feira, maio 25, 2006


História de Mulheres:.

"(...)É espantoso verificar que sempre houve mulheres capazes de se sobreporem às mais árduas circunstâncias na história deste planeta. Mulheres criadoras, guerreiras, aventureiras, políticas, cientistas, escritoras-natas, que tiveram a habilidade e a coragem de fugir - sabe-se lá como! - a destinos tão estreitos como um túmulo. Foram sempre poucas, é claro, em comparação com a grande massa de mulheres anônimas e submetidas aos limites que o mundo lhes impôs; mas foram, sem qualquer dúvida, muitíssimas mais do que aquelas que hoje conhecemos e recordamos. É que, como diz a escritora italiana Dacia Maraini, as mulheres quando morrem fazem-no para sempre, submetidas ao duplo fim da carne e do esquecimento. Os historiadores, os enciclopedistas, os acadêmicos, os guardiões da cultura oficial e da memória pública foram sempre homens, e os atos e as obras das mulheres raramente passaram para os anais.

(...)Por outro lado, a recordação que temos das mulheres e dos seus atos é, amiúde, manchada pelos valores sexistas. Por exemplo: Messalina, esposa do imperador romano Cláudio I, porque passou para a história convertida no símbolo da mulher infiel e ninfomaníaca. Ou então Catarina, a Grande, a famosa imperatriz da Rússia, de quem, sobretudo, se recorda que era uma senhora de grande decisão, e que tinha muitos amantes. (...) No entanto, assim que espreitamos para os bastidores da história encontramos logo mulheres surpreendentes: aparecem sob a monótona imagem tradicional da domesticidade feminina, da mesma forma que o mergulhador vislumbra as riquezas submarinas (uma paisagem inesperada de peixes e corais) nas águas quietas de um mar quente. É o caso, por exemplo, das mulheres guerreiras, personagens de uma extravagância extraordinária. Casos de Maria Pérez, Joana D'Arc, Mary Read, Louise Bréville.

(...)Houve freiras maravilhosas, pelo seu nível intelectual ou pela sua capacidade artística, como Santa Teresa, Soror Juana Inés de la Cruz, ou Herrad de Landsberg, abadessa de Hohenburg, que no século XIII fez a primeira enciclopédia da história elaborada por uma mulher. (...) Houve governantas cegas pela paixão, como a espanhola Joana, a Louca, que passeou durante três anos por toda a Espanha com o cadáver do seu marido, Filipe, o Belo. Ou Artemísia II, rainha de Halicarnasso (século IV a.C.), que, ao ficar viúva do seu amado Mausolo, mandou construir um monumento em sua memória, que foi uma das sete maravilhas do mundo antigo, e nos deixou o uso da palavra mausoléu. Uma antepassada desta desconsolada viúva, Artemísia I, também rainha de Halicarnasso, mas um século antes, fora menos delicada na sua paixão: apaixonou-se por Dárdano e, ao ser rejeitada por ele, mandou que lhe arrancassem os olhos, e depois lhe tirou a vida. Realmente houve mulheres arrepiantes.

Todos estes relatos de soberanas fortes e ferozes indicam que a mulher também pode ser malvada, o que, de certa forma, é um alívio, porque nos consolida na nossa humanidade cabal e completa: somos capazes, como qualquer pessoa, de toda a excelência e de todo o abismo. A pior de todas? Difícil competição, mas uma perversa clássica e emblemática, da mesma forma que foi emblemática a maldade do marquês de Sade, é Elisabeth Batory, a condessa sangrenta (1560-1614), uma viúva húngara que julgava ser possível manter a juventude se tomasse banho em sangue de donzela. Torturou, dizem, mais de seiscentas jovens camponesas, que acabava por degolar e dessangrar. Quando os seus crimes foram descobertos, Batory foi emparedada viva no seu castelo. Houve, enfim, mulheres de todo o tipo."

Estes relatos de mulheres exuberantes e famosas historicamente, podem, enfim, comprovar que todas as mulheres que, retratadas aqui, de alguma maneira, se afastaram completamente da norma. Por exemplo, abundam os amantes muito mais novos do que elas. Dir-se-ia que também são frequentes as angústias, depressões e obsessões: como se muitas delas se tivessem abeirado dessa terra de ninguém a que a sociedade chama loucura. Mas isto não quer dizer que as mulheres famosas sejam necessariamente lunáticas(...) Por isso, é óbvio que estas mulheres não foram normais. Assim que espreitamos suas vidas concretas, em quotidianidade oculta e silenciada, descobrimos que a realidade tem pouco a ver com os anais oficiais, com a ortodoxia social, com a história que o poder nos contou. E não se trata só de mulheres, mas também de muitíssimos homens que ousaram sentir, desejar e agir, à margem das convenções. (...) Cada vida é uma aventura, um desvio das limitações do correto. Talvez seja isso, em conclusão, a coisa mais importante que eu aprendi: que a normalidade é o que não existe."


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HISTÓRIAS DE MULHERES, de Rosa Montero, é uma coletânea biográfica, e ao mesmo tempo, são todos uma visão muito pessoal da escritora. Revelam um grande esforço de documentação, sobretudo do campo da paixão, face a percursos extraordinários em que, todavia, cada um de nós se pode reconhecer. De Agatha Christie a Simone de Beauvoir, de Alma Mahler a George Sand, de Isabelle Eberhardt a Frida Kahlo, de Camille Claudel às irmãs Brontë, é uma notável galeria de mulheres. Muito bom o resgate feminino, o olhar para trás, para podermos olhar para frente com mais esperança de conquista.

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