sábado, março 25, 2006


Umbigo de Mim:.

RenoirTem um texto de Clarice Lispector, que diz:
- (Eu te amo)
- (É isso então o que sou?)
- (Você é o amor que eu tenho por você)
- (Sinto que vou me reconhecer... estou quase me vendo. Falta tão pouco)
- (Eu te amo)
- (Ah, agora sim. Estou me vendo. Esta sou eu, então. Que retrato de corpo inteiro).


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Clarice não deixa ninguém indiferente: ou se fica enfeitiçado, ou se detesta. Algumas pessoas não suportam enigmas, paradoxos ou "imprecisões" de linguagem. Palindrome. Como no filme Melhor Impossível, onde o sentimento ambíguo pelo personagem do Jack Nicholson é ressaltado, apesar de todo talento, demora a soltar seu ardor... Aqueles que precisam controlar a realidade como quem acerta um relógio; os pragmáticos mórbidos, para quem tudo tem que ter uma finalidade imediata que justifique sua existência; os avestruzes, que preferem esconder a cabeça num buraco para não ver a realidade; os pretensiosos, donos da verdade, racionalistas radicais, fanáticos de qualquer crença ou preconceituosos, esses dificilmente chegariam a perceber a riqueza e a sutileza de sua obra. Não que seja preciso um alto grau de perfeição para entender um pouco o significado do que ela escreveu. Nem mesmo cultura ou erudição. Basta um pouco de humildade, amor à palavra, capacidade de sentir com o outro. O texto de Clarice fala diretamente ao coração, e essa é sua maior dificuldade: o coração da gente quase sempre usa colete à prova de emoções genuínas. Como prisão, alguns preferem a seguraná de... a liberdade é temerária. Amarras soltas, barco ao léu, sem planejar, destino ao vento... Por onde a vida me levar, lá vou eu.

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Pra pensar...
Míriam achava que a vida só valia a pena porque as pessoas amavam. Fora disso não havia salvação. Mas sentia a garganta apertada, mãos frias, coração destemperado. Quando foi ver O paciente inglês reconheceu o sofrimento do conde Almasy... seria só fantasia? Lembrou-se tanto de si ao se ver no lugar do chamuscado, isolado do mundo, que só podia lhe oferecer a alegria que provinha dos outros. Porque as próprias memórias não eram mais suficientes para compor outra vida. Uma vida de verdade é aquilo que se procura o tempo todo? Seria o que impulsiona, dá força e tesão? Fora disso, tudo deve ser ser um arranjo consigo mesmo, um desejo reprimido pela hora de tomar todas as ampolas de morfina de uma vez. Saber que se está feio, que não vai ser possível ser desejado de novo, que Hana não estava mais ali, naquela realidade. E uma Hana é uma só para cada vida, e assim mesmo alguns morrem sem conhecê-la. Queria ser um pouco Hana. Invejava Hana e seu amor à flor da pele. Hana não chegará nunca a ser um chamuscado cheio de recordações, morrera antes, plena de vida, amando, explodindo em alguma mina que não pensou em evitar para poupar o paciente Kip. Sem medo de ser só, sem vergonha de se oferecer, sem vaidade nem pretensão nenhuma. Por que não ser Hana? Sabia que já em alguns momentos tinha deixado essa Hana escapar de dentro de si, e nesses momentos lúdicos, quase-era-feliz, se não fosse o famoso e derradeiro destino de voltar a ser "o que todos queriam que fosse", Miriam, a infeliz.

Com relação a este filme, a mesma sensação com Dr. Jivago. O amor pela Lara, girassóis despetalados...Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar esta luta na qual entra não só o fervor mas uma certa dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita ferida porque as pessoas estão bravas demais, até as mulheres, umas santas, lembra? Costurar as feridas e amar os inimigos que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé-frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinês imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares, Não chores que a vida... é luta renhida. Lutar com aquela expressão de criança que vai caçar borboleta, ah, como brilham os olhos de curiosidade. Sei que as borboletas andam raras mas se sairmos de casa certos de que vamos encontrar alguma... O importante é a intensidade do empenho nessa busca e em outras. Falhando, não culpar Deus, oh! por que Ele me abandonou? Nós é que O abandonamos quando ficamos mornos. Quando a vocação para a vida começa a empalidecer e também nós, os delicados, os esvaídos. Aceitar o desafio da arte. Da loucura. Romper com a falsa harmonia, com o falso equilíbrio e assim, depois da morte - ainda intensos - seremos um fantasminha claro de amor
Ligia F. Telles

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