segunda-feira, março 13, 2006


Outras e mais:.

"Baskara tinha uma filha chamada Lilavati. Quando essa menina nasceu, consultou ele as estrelas e verificou, pela disposição dos astros, que sua filha, condenada a permanecer solteira toda a vida, ficaria esquecida pelo amor dos jovens patrícios. Não se conformou Baskara com essa determinação do Destino e recorreu aos ensinamentos dos astrólogos mais famosos do tempo. Como fazer para que a graciosa Lilavati pudesse obter marido, sendo feliz no casamento? Um astrólogo, consultado por Baskara, aconselhou-a a casar Lilavati com o primeiro pretendente que aparecesse, mas demonstrou que a única hora propícia para a cerimónia do enlace seria marcada, em certo dia, pelo cilindro do Tempo. Baskara colocou o cilindro das horas e aguardou que a água chegasse ao nível marcado. A noiva, levada por irreprimível curiosidade, verdadeiramente feminina, quis observar a subida da água no cilindro. Aproximou-se para acompanhar a determinação do Tempo. Uma das pérolas de seu vestido desprendeu-se e caiu no interior do vaso. Por uma fatalidade, a pérola levada pela água foi obstruir o pequeno orifício do cilindro, impedindo que nele pudesse entrar a água do vaso. O noivo e os convidados esperaram com paciência largo período de tempo. Passou-se a hora propícia sem que o cilindro indicasse o tempo como previra o sábio astrólogo. O noivo e os convidados retiraram-se para que fosse fixado, depois de consultados os astros, outro dia para o casamento. O jovem brâmane, que pedira Lilavati em casamento, desapareceu semanas depois e a filha de Baskara ficou para sempre solteira. Reconheceu o sábio geômetra que é inútil contra o Destino e disse à sua filha: Escreverei um livro que perpetuará o teu nome e ficarás na lembrança dos homens mais do que viveriam os filhos que viessem a nascer do teu malogrado casamento." O que ele não sabia é que o destino desafia; não determina, apenas indica. As escolhas sempre serão nossas, diante das encruzilhadas. Fatalmente, chegaremos ao mesmo fim que é a morte - mas diferentes, em seus interiores. Há aqueles que terminarão relembrando, imaginando como poderiam ter sido felizes. Outros, estarão sorrindo.

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Rubem Alves, DIVÓRCIO: Uma amiga está triste porque está se divorciando. Divórcio é uma palavra tão doída! Aí ela ficou pensando se, nas suas origens, essa palavra não podia ser bonita. Quando a palavra divórcio nasceu, qual era o seu sentido? Que imagens ela invocava? Fui então ao dicionário Webster, que é uma da minhas alegrias. Eu o encontrei num sebo nos Estados Unidos, dois volumes grossos com capas artísticas douradas. Comprei-o por pouco mais que nada. Nele, além dos significados das palavras, encontram-se as suas origens, a etimologia. Os sentidos originais têm o poder de dar vida a palavras mortas, por revelar seus sentidos ocultos. Pois é isso que ele diz, traduzido: “Divórcio: do Latim ‘divortium’, uma separação; de ‘diversus‘, particípio passado de ‘divertere’, que significa ‘ir em direções diferentes‘“. Coisa terrível é caminhar por um caminho pelo qual não se deseja ir. Antigamente era assim: o marido era transferido para um fim de mundo e a mulher era obrigada a ir. Ia contra a vontade, ficava triste, chorava, ficava deprimida, perdia a vontade de fazer amor, e o amor virava ressentimento e ela pensava em silêncio. “Quando ele morrer eu volto para o lugar de onde vim...“ Quem anda por um caminho obrigado, contra a vontade, fica desejando que aquele ou aquela que obriga morra. A liberdade é assassina. Pois o meu pensamento de repente divorciou-se de mim. Divorciou-se: deixou o caminho que eu estava seguindo e embrenhou-se por uma trilha onde estava escrito o nome “Walt Whitman“. Como não quero ficar sozinho, vou atrás dele. Sim, Walt Whitman, o maior de todos os poetas americanos, o poeta do corpo. Antigamente os lares protestantes tinham o hábito do culto doméstico: a família se reunia ao final do dia para ler a Bíblia e orar. Penso que seria desejável que fizéssemos coisa parecida: a família reunida para ler poesia e ouvir música. Meia horinha por dia. Acho que todos ficariam mais mansos e mais sábios. Pois o Walt Whitman escreveu: “Quem anda duzentas jardas sem vontade anda seguindo o próprio funeral, vestindo a própria mortalha...“ Por vezes o divórcio é o jeito de parar de andar contra a vontade, o jeito de não seguir o próprio funeral – e nem desejar o funeral do outro... A gente vai andando por um caminho numa planície. Aí o caminho se bifurca. Encruzilhada. No caminho da direita há uma tabuleta que diz: “Mar“. No caminho da esquerda, uma tabuleta que diz: “Selva“. Um dos caminhantes sente o chamado do mar. O outro sente o chamado da selva. Não é sábio que cada um siga o seu caminho? Está dito nas Sagradas Escrituras: “Como andarão dois juntos se não estiverem de acordo?"

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