domingo, março 05, 2006


O que nos define:.

Magritte, A página em Branco, 1967. Sempre me imaginei surrealista. Talvez por querer compartilhar da manifestação de Palova, em Budapeste. Mesmo com Dali se revoltando contra o movimento, no final da vida, ainda apoiava essa idéia de mim - "Surrealista, vanguarda européia, cheia de propostas de liberdade, anti-convencionalismo e anti-tradição dos valores da cultura ocidental, trazendo à tona os impulsos das regiões ainda inexploradas da minha mente, e pra isso recorrendo ao inconsciente e subconsciente : o acaso, a loucura, os sonhos, as alucinações, o delírio ou o humor. Junguiana. Quando o assunto é o corpo humano, um dos temas fortes no Surrealismo é o olho. O lábio, símbolo de voluptuosidade. Salvador Dali e Mae West. "A chave do procedimento surrealista é o deslocamento. Quando um objeto é deslocado de sua função e de seu meio, ocorrem variações em relação à associação original que impunha um sentido para ser identificado por quem estiver interessado . Desta maneira, estabelece-se uma contradição entre o reconhecimento costumeiro e sua nova definição". Sim, surrealista. Usando esse vestido... seres do mar são muito presentes no vocabulário simbólico surrealista, quem não se lembra do peixe na capa do primeiro número de A Revolução Surrealista? Eu. Não lembro, porque não estava ali. Mas sei que Salvador Dali tinha uma fixação com lagostas, e eu não as como, porque sagradas. É melhor dizer isso do que falar que não curto. Digno de nota é o fato de que a lagosta muda de cor depois de passar do mar à mesa, ela passa do marron esverdeado para o vermelho – e surrealista é uma mutação ambulante. Do mar ao céu, a borboleta é o símbolo surrealista da metamorfose... elas irrompem como que anunciando nova vida. É bem possível que a sedução venha desse princípio irredutível de liberdade que orienta o Surrealismo. Mas é também possível que se veja aí algum artifício de certo facilismo da criação poética. Daí a leitura equívoca de que tudo o que não faz sentido é surreal, como se costuma ouvir com relativa freqüência. Diz o poeta guatemalteco Luiz Cardoza y Aragón que "escrever não é cifrar nem decifrar: é balbuciar o estupor de ser". Pois bem, essa identificação mútua e ampla, no sangue e na letra, com o que se faz, com a criação, é o que revela o Surrealismo como sendo o princípio maior a ser buscado, aquilo a que o argentino Enrique Molina se referia como sendo um "humanismo poético". Creio que esta é a raiz essencial da sedução do Surrealismo, e o que o torna sempre atual, pois além de todo tempo.

Mas a curiosidade por ser "minimalista" apareceu. Na enciclopédia: "A literatura minimalista é caracterizada pela economia de palavras. Os autores minimalistas evitam advérbios e preferem sugerir contextos a ditar significados. Espera-se dos leitores uma participação ativa na criação da história, pois eles devem “escolher um lado” baseados em dicas e insinuações, ao invés de representações diretas. As personagens de histórias minimalistas tendem a ser banais, comuns, inexpressivas, nunca famosos detetives ou ricos fabulosos. Geralmente, as histórias são pedaços da vida." Pode ser que eu seja surrealista e minimalista ao mesmo tempo? É muita coisa querer ser simples e profunda? O Minimalismo reduz: o menor conto já produzido em Língua Portuguesa, de Luís Dill:
Aventura
Nasceu.

Pouco a pouco descubro que o jeito-minimalista-de-ser só tem vantagens. Economia. Simplifica. Reduz o peso. Sintetiza. Não sei se serei capaz de ser assim, ao pé da letra. Mas é um fato a conhecer...

E a nossa grande Raça partirá em busca de uma índia nova,
que não existe no espaço, em naus que são construídas
"daquilo de que os sonhos são feitos”.
E o seu verdadeiro e supremo destino,
de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal antearremedo,
realizar-se-á divinamente.

Fernando Pessoa

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