quarta-feira, março 01, 2006


Hoc est enim:.

Terça-feira, final de Carnaval. O vento sussurrando a noite inteira, aquele mesmo vento quente, cheirando a peixe e fritura que já me impelira a enfrentar dois longos caminhos cheios de percalços e obstáculos, frutos e desilusão. Final de Carnaval sempre foi uma caixinha de surpresa em minha vida - nada como agora aguardar ansiosamente a bailarina saltar e girar... nada mais de homens-de-preto ou máscaras de cera. Passei a dormir com sândalo sob meu colchão, desde a última tempestade: precaução contra possíveis pesadelos e loucuras de uma menina ensandecida por um velho pescador de sereias, que teme ressuscitação preemente e inadiável. Do destino ninguém escapa, diria minha avó a Ela, rindo muito de sua paixonite. Até agora tem servido para adoçar meus sonhos, e permitir que estes avancem com firmeza em minha direção. Agora sei que há um caminho brilhante pela frente. Me descubro cada vez mais intranquila, num impertinente espírito de contradição, entre farfalhar de papéis, caixas e roupas para embalar e doar. Não sei se me despeço do velho tão perto do novo. Nessa noite de cinzas eu me levantei e pequei minhas cartas da caixa onde tinha prometido sepulcro definitivo delas. Entre meus dedos paeciam frias e distantes, porém logo se encaixaram para o prenúncio de rumo e direção. Safira-estrela me acendendo luzes. Como o homem-de-preto escreveu, em dedicatória, uma vez: "é preciso seguir adiante..." Sim, sempre, mesmo transportando um baú de mágoas dentro de si, pesada e cautelosamente, um pé adiante, outro enfim...Com o aviso da mulher de Ló, sem me voltar para trás, deixo-me ser conduzida pelo vento. A torre. O carro. O Diabo. O passado, finalmente, para trás.
Todos os sete deslizam no pano azul, estendido a minha frente. Meu Presente. O Futuro encaixo na caixinha de música, sem vê-lo. Preciso me acostumar a decisões do momento, sem me preocupar com o que vem pela frente. Aceitar ajuda, ouvir meu coração, a sandice da menina-escura novamente aparecendo, presságio ruim para ela. A calmaria me incomoda, o ar quente e doce me irrita, sei que preciso tomar uma atitude firme e poderosa no ato, e isso me faz lembrar pó de serragem e fôlego de gato. "Tempo de Mudança, mas agora é Março, e decido que somente no dia 19 pego o rumo da Estrada". Todo Dia D tem uma espécie de prenúncio mágico, os desastres foram em outros meses, este é especial. Faço festa no mês dela, sapateio em cima, carnaval pra-nós-três. Sei, eu já me perdi. Da torre cairam pessoas, paredes desmoronaram, e o medo da estrada e da perda fez o eremita permanecer na frente de sua caverna. Já sem luz em sua lanterna-guia. Agora corro atrás do prometido dez de copas, da fragância de lilás que toma conta do ambiente toda vez que sinto a presença dele. Na encruzilhada, nem cajado nem jururus vão me boicotar, e por conta disso carrego o eremita comigo, levo-o a luz bruxuleante da vela, e vejo-o ser contorcido aos poucos, a carta dura flamular e se quedar em cinzas, depois de um pouco de resistência. Quarta-feira. Cinzas de um homem-de-preto. Santa Genoveva faz a defesa, a safira brilha ao redor, contra ventos contrários a maldição de minha avó. Por um momento flerto com a possibilidade de fazer mais, mas não ouso desacatar o coração. Quem é que toca o sino agora, querido? Me sinto pronta para qualquer vento que soprar. Um tolo que pavimentava caminhos para outras passarem. Meus medos se foram, a nova vida sopra adiante, e a voz nova dentro de mim ri alto, satisfeita. Espero que somente desta vez seja um acalanto. Mesmas circunstâncias, mesmo fim, final diferente. Porque há agora a certeza de benções e do Amor. "Donia é donia, doce é Deus, o perdão que pediste eu agora posso lhe dar". Sopro as cinzas, sopra o vento, volto pra cama e me encaixo novamente nos meus sonhos. A felicidade não é mais por um triz. "Hoc est enim corpus meum". Para sempre, Beatriz.

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