domingo, setembro 18, 2005


Aninha e suas pedras:.

O sol já se fora, mais um dia terminando, porém desta vez o jardim finalmente estava como planejara. Levara dias sonhando e realizando seu desejo, e agora, contemplando-o, sentia-se vitoriosa. Angélicas perfumavam o lado esquerdo, e seriam ótimas para suas crises de enxaqueca, quando tudo dava errado e não havia meios para consertar a situação, a não ser vivê-la. Gerânios povoavam ao lado, e logo após vinham os cravos, para lembrar que tudo na vida tinha um fim. Havia Jasmins afinal, que lhe traziam a mente a sua parte doce e delicada, compondo um panorama exótico e agradável. As rosas, ao lado do portão de ferro, terminavam por reavivar o que antes era só capim e mato. Sabia que os girassóis, na parte de trás, perto da piscina, tinham sido plantados por egoísmo. Queria-os só pra si, para seu deleite: eram sua obsessão. Acreditava que a natureza não fazia nada de inútil; por isso a dedicação. Mas agora era o momento de descansar, como se fosse o sétimo dia. Entrou correndo, abrindo rapidamente a porta, e trazendo consigo o aroma das flores e muito vento, deixando um trecho longo de terra atrás de si, enquanto subia rapidamente as escadas para encher a banheira. Ainda tinha algumas horas antes dele chegar para irem jantar. Entrou na água quente, perfumada, e sentiu-se leve e reconfortada. Seus pensamentos a levaram ao homem da noite, Diego, playboy milionário. Não devia sonhar com o impossível, e Diego não pertencia ao seu mundo -"homens ricos casavam com garotas que pertencessem ao seu círculo social pessoal, sofisticadas, educadas, nascidas em berço de ouro." E ela nunca havia sido nem um ponto daquilo que ele habitualmente tinha ao seu lado. Valeria a pena se arriscar por alguns momentos de completa felicidade? Sua avó lhe dizia que "quem não abria a porta para a sorte, convivia com o azar". Saudades apertaram-lhe o coração - como sentia falta de sua presença! Sentia que no momento era a única responsável pelo seu destino, e esse encargo lhe pesava. De repente pressentia que Diego não era sorte... E tudo o que ela queria era apenas seguir seu destino; nada além disso. Terminou seu banho, enrolou-se na toalha e foi para a frente do espelho: a autoestima estava zerada, não via nada além de alguém suturada por pontos grotescos, aparentando feridas internas que ainda ardiam imensamente. De alguma maneira ainda deixava-se atingir e ser humilhada por pessoas que nada tinham a ver com sua vida. Independente de conselhos, ainda sentia vontade de alterar seu agir, para ceder e poder ser "aquilo" que outros queriam que fosse. Falou alto, para que sua mente se apropriasse das palavras: "Não importa o que fizeram contigo, ou o que fazem, interessa o que você vai fazer disto que fizeram e fazem". Confuso. Coerente. O que ela poderia fazer quando todos lhe diziam que era um cavalo? Imaginava sua vó, rindo e dizendo: "saia e compre uma sela, oras!". Deixou que o vestido de seda azul escorregasse pelo seu corpo, e deitou, enquanto esperava a campainha tocar. Nada de maquilagem, queria enfrentar a separação de cara limpa. Porque hoje iria se afastar dele. Porque temia sofrer logo mais adiante. Porque sabia o final dessa história. E nesse momento foi que entendeu o que tinha perdido dentro de si. Havia se escondido de tudo e todos, numa eterna fuga, quando viu que não conseguia prosseguir no seu caminho sem levantar-se. Ela não sabia como erguer-se após tanto sofrimento, não permitira lágrimas, não queria mais erros. Apenas retrocedeu e foi aí que tudo se perdeu... A autoestima, a imagem, o amor, a sanidade. Um profundo e doloroso abismo arrebatou-lhe o coração, e constatava diariamente que as pequenas perdas palpáveis não faziam frente a quaisquer ganhos. Porque as pequenas coisas eram o que lhe preenchiam, o que a fazia imensa e cheia de Amor por si, diante de tantos obstáculos. Oxalá essa que vira no espelho pudesse ir embora, e retornasse sua antiga moradora. Queria tanto que esse reflexo não grudasse em sua mente, não fermentasse seu estômago, deixando-lhe a chance de ser feliz. Era hora de subir, vir à tona, após tantos mergulhos. E num zapt, notou que Diego era apenas alguém que ela usaria para se machucar, culpando-se novamente. Pegou o telefone e em poucas palavras descartou a sessão-jantar. Para que ir ao cinema se já conhecia de cor e salteado aquele enredo? Não, prometeu a si mesma. Não iria mais se machucar. Ela sabia que alguém lhe esperava, em algum lugar do caminho. E precisava até lá estar bem, reencontrar-se, reunir-se. Pequenos detalhes... Não estava fadada a entremeios, e a sobrevida. Porque conhecia a vida e o amor, exigia agora isso: não queria mais se contentar com pouco. Passado o fatalismo, lágrimas desciam... sem ninguém para enxugá-las. Há uma parte do caminho que tudo ao nosso redor desaba, e a única coisa que podemos contar é com nossa sabedoria e Amor. E por acreditar no amor que sentia por dentro, estava disposta a recomeçar.

Não te deixes destruir
ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre...
Remove pedras, e planta roseiras, e faz doces.
Recomeça
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
(...)toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso.
(...)
Tanta coisa me faltou
tanta coisa desejei sem alcançar
hoje, nada me falta
me faltando sempre o que não tive"


Cora Coralina

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