quinta-feira, agosto 25, 2005


Strip-Tease num vayar:.

Carta a uma amiga


Coincidência demais, Palova, o tema de nossa conversa de hoje surgir explicitamente e minuciosamente esparramado no blog que adoramos? Jung e eu com certeza seríamos da mesma opinião: "acasos não existem", talvez o "Universo queira nos mostrar e comprovar", por meio deste reforço adicional, é que não há vida sem Amor e Paixão. Uma alegria inesperada e inexplicável surgiu, ao saber que há mais estranhos neste mundo, além de duas velhas desajeitadas como nós. Pertenço a seita que acredita que devemos estar atentos ao chamado do coração, deixando-o livre para tomar decisões, se apaixonar quando quiser, e principalmente, não se acostumar a contentar-se com pouco. Quais são as coisas que a gente não faz porque realmente não tem vontade, e quais aquelas que não fazemos porque são arriscadas? Quem sabe se eu tivesse um pouco mais desse "tal" descontrole amoroso, não teria tantas lágrimas retidas dentro de mim? Sufocamos tantos sentimentos, por tantas pessoas. Por orgulho. Por idéias pré-concebidas. Por medo. Por achar que não estamos à altura de. Lembra, querida amiga, o quanto já fomos implacavelmente adeptas da atitude: tudo por Amor? Jamais vou esquecer aquele uno abarrotado de gente, com a perna da escada para fora, tudo para pendurar uma faixa amorosa, que lamentavelmente ficou somente um dia a exposição... e o resultado? Só deu certo no final, quando não havia mais porquês.

Quem sabe a esta hora não estejas, tu, Diva Palova, em sua cadeira de balanço, com o cachorro-pedigree no colo, dizendo pra si mesma que realmente Beatriz, quando ousou cometer loucuras por amor, foi ao fundo e afundou-se sem olhar os prós-e-contras, sem escafandro ou estatísticas materiais que me assegurariam para a vida inteira... Toma seu chá francês tranqüilamente, seu amor-maduro ao lado, repousando no quarto decorado especialmente para si, e tristemente balança sua cabeça: "tolinha Beatriz, quem desce aos ínferos é Dante". Sim, confesso e me desculpo mais uma vez: faltei ao compromisso que você assumiu diante de gente que não me importava, pra poder curtir o que seria um dos grandes amores da minha vida. Sei, você continua sendo, e já naquele tempo ido, era mais importante, mas o momento não pedia escolhas - apenas a decisão de seguir meu coração. Eu, que não me fixo em tempo, nem bilhete deixei: apenas sumi temporariamente. E assumi tudo de tal modo sem planejar ou esperar, que ainda recordo das caras de muita gente pasmadas com "a atitude desmedida e descarolada" de Beatriz moralista e correta. Pra que esperar algo, se a certeza do sentimento estava estampada em cada ato e olhar? Quando decidi abandonar aquela máscara de viver a vida de acordo com princípios e fins sociais de outros, encarei que deveria aprumar os passos, não deixando mais nenhum pé pra trás, em qualquer decisão. Assim como mergulhei profundamente em cada amor, eu exijo o mesmo. Nada de grilhões, quero mudanças constantes, quero o "Eu" da pessoa sobreposto e escancarado diante de mim, sem formalismos ou mentiras. Não gosto de maquiagem, acho que sempre fui adepta do drama, em alguma vida fui mexicana, e nesta encaro muitos planetas em Leão. Sem essa de "eus" convenientes e coniventes com momentos formais e prá-lá-de-desnecessários, pra fazer bonito pra essa tal sociedade que cobra tudo de nós - inclusive a renúncia a paixão, ao amor e ao drama. Sinceramente, viver dentro de espelho nunca foi algo que quis. Um aquário me sufocaria: não consigo ser bibelô ou enfeite-de-parede, para ostentação - não me imagine em milhares de porta-retratos de prata espalhados pelo meu lar. Seria o fragmento de minha alma, ver-me refletida, sem saber pra que, e nem porquê.

Verdade, amiga: concordo com ti sobre a argumentação bela e fantasiosa, pois como caio em abismos cruéis, escuridões pavorosas! Essa não é a forma de viver que não permite mágoas ou dores, lágrimas ou tristezas profundas. Demoro retornar a tona a cada desilusão, e após me ergo, e digo que "nunca mais" pra poder expiar a culpa, e como sabemos - logo, logo formo asa novamente, e estou alçando vôo, flutuando por aí, com tudo parecendo sem sentido, e disposta a não deixar nenhum pedaço de fora do presente-momento. Quero a exaustão em si. E descobri que me é inútil tentar entender essa minha forma de amar, profunda e assustadora, não há como encurtar caminho, necessário vivenciar cada passo. Invejo a ti, querida, pela segurança e condicionamento. Porque eu relâmpago e chuva, você sol abrasador, cheia de garantias e mãos-seguras. Quando abro a porta e saio de um enlance mal-sucedido, esqueço que devo levar o extrato da conta-corrente, o dinheiro da poupança, ou o carro na garagem. Esqueço os móveis, a residência, me vou somente com aquilo que amo e nunca vou deixar. Mais tarde, quando dou por mim e verifico que não sou a fortaleza que queria tanto ser, tudo já foi esvaziado, e eu sem nada, novamente. Sem vontade de reclamar direitos, porque pra isso há que se olhar pra trás. Sempre imagino que, se houvesse caráter, não precisaríamos submeter a justiça amores-mal-resolvidos, kant de repente estava certo dizendo que a virtude já era extinção no seu século - porque nada vêm sem que haja essa intervenção da União. Por que a demora em ir atrás de justiça? Porque agindo dessa forma, trágica e realística, estaria reconhecendo que sou uma falida em relacionamentos amorosos: um não tem caráter, outro não tem responsabilidade, e eu tenho costas-largas. Seria descobrir que procuro uma expiação de pecados ao me envolver com pessoas sem o mínimo de princípios morais e éticos.

Queria poder trocar de lugar com você nesse instante, querida. Você poderia me ceder a cadeira, daríamos chá-de-dormiço pro seu marido, e eu te deixaria meu caminho livre pra você viver esses amores-enfartes, que nos fazem submissas e rendidas. Eu, balançando-me sossegada, levantando de madrugada, pra florir meu jardim. Você, sem ponderar o correto, guiando-se pela intuição, de olhos fechados, esquecendo dificuldades, obstáculos e mergulhando naquilo que lateja dentro de ti. Acaso conseguiria eu agir sem "rapidez", me contentando com uma obra que demora um ano pra erguer-se, escolhendo cada item e detalhe? Sei, não sou de reclamar ou soluçar, sentiria falta dessa desorganização, sou passional demais pra sobreviver sem frio e chuva em demasia. E como diria Lispector, "cada um é um", não adiantam tentativas de querer ser. Coerência é mutilação, prefiro a desordem, o caos, o meu dom é a organização, arrumando me formo, me descubro, me acho, me amo. Sempre acredito em portas e janelas de saída, em preces intensas e frutíferas, em instantes onde se recomeça tudo novamente. Custo a imaginar você, tão sensual e social, metida nessa "Beatriz andante", temperamento de pimenta-calabresa, um lado forte que predomina em dias inesperados, cheia de "maniganças", apenas sendo e querendo aquele maldito osso que falta por aqui!

Busco o Carpinejar, é mais fácil as palavras de outros, dói rememorar e colocar pra fora o que a vida já nos contou e machucou. Eu cedo pra ser feliz, mas exigo que o sentimento me aconteça, me faça plena,fortificada, o desejo pateando no chão. Caso para quebrar as regras, para me aproximar no ato, para não deixar o inferno dourar a pele. Entro no primeiro apartamento e fico. Os livros já são estantes. Ponho o colchão no chão e subo devagarinho com os meses. Caso rápido porque nunca fui sozinho dentro de mim, porque a saliva é água potável, porque amor é urgência. Ajeita-se a vida como pode. Um dia a menos não será depois um dia a mais. Caso em segredo, a dois. Beijo tem muito despudor para ter medo. Não me exibo, caso. Não faço futuro, caso logo para fazer passado. Quem sabe, querida, um dia eu aprendo, e no fim das contas, tome tento e juízo, sendo mortalmente igual e infeliz como tantos, contentando-me com pouco de um e de cá. Ah, mas Palova, nesse dia suponho que não estarei mais aqui, mas do outro lado de lá. Porque amar e rezar em latim já fazem parte de mim... Quanto a ti, fique calma: alguém tem que permanecer na praia, pra equilíbrio e sustento das libélulas, que insistem não desistir de Amar, jamais. Tenho medo de perder o trem, na estação, e quando der por hora de investir naquele amor, ele tenha partido....Esperar não é meu dom. Tudo o que tenho é o coração abarrotado de sentimento, enquanto caminho nessa trilha de
apaixonadas guerreiras, sem sentido nem eira. Nasci sem Carolina, caipira-pirapora- nossa mesmo, daquelas que falam porrrrta, cheia de sotaque, e que se sentam no chão, pra ver a filha brincar, sem ligar pra opinião alheia ou olhares de madames ou senhores muito elegantes. Dentro de mim, rezo por inteira - Ave-Maria, gratia plena, dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus et benedictum fruttis ventri tui Jesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis pecatoribus. Nunca et ora nostrae morte. Amem". E sigo as palavras de Cora Coralina, como conforto e alimento de alma, enquanto penso no tempo de mudanças que se vislumbra daqui: "Senhor, que eu não lamente o que podia ter, o que se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. (...) Que eu possa agradecer a Vós minha cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas. E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa, e acender, eu mesma, o fogo alegre da minha casa, na manhã de um novo dia que começa".

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