Senhora de Luz:.

De manhã, nem tão cedo assim, essa senhora tira o pijama e enfia apressadamente peças de roupa, tudo enquanto sacode lençóis, arruma a cama, joga água na cara, seca os olhos, escova os dentes e passa o filtro solar. Ritual feito, sorri, assim, meio-sem-graça, por acordar toda amassada, ter tentado ficar bem arrumada, e o espelho ainda indicá-la desajeitada... Abraça com força o homem que a acompanha, aquele mundo que a faz assim: feliz. Dá um beijo em cada filho que a rodeia, pedindo café da manhã, e apronta todos para mais um dia "de trabalho" e rotina. Já de tardezinha, chega cansada, entra no banho, se desenfeita, se descora, coloca o pijama e se esparrama, como quem não quer mais nada além daquilo que é, na sua cama. Um minuto de paz, e em outro ouve gritos, choros e soluços, os filhos brigando, o jantar tem que estar pronto, a mesa ainda por arrumar... Levanta toda apressada, descalça e meio sonolenta, pra tentar fazer tudo de modo eficiente, rápido e a gosto de todos, e depois poder ter aquele tempinho de solicitude só seu, bel prazer adiado. Quando tudo dá errado, chora de agonia, de madrugada soluça e tenta nos braços do outro, desfazer os traços da tristeza, deslumbrar-se com as estrelas e gemer tal qual louca, menina ensandecida. Amanhece, e acha graça de tudo, agradece ao destino o ontem, mesmo infeliz. Essa menina, senhora, moça complexa e misteriosa, em que esbarro toda hora no espelho casual, é cheia de sombra e portadora de muita luz, lama e cruz. Ainda acha quase-tudo natural nesta vidinha em que se situa, inclusive falar de si com a ajuda da esfinge Elis Regina. O quase, exceção, seria uma lista conservadora demais, e estragaria o momento de Khatarina, que hoje a abraça, feliz.