segunda-feira, agosto 15, 2005


Francesca:.


Esta enorme pintura a óleo de William Dyce (1806-64), encontra-se na Galeria Nacional da Escócia, em Edimburgo, e é intitulada Francesca da Rimini. No centro, um jovem par enamorado aparece imóvel e indeciso. A Lua e um ponto de luz brilhante, certamente um planeta, aparecem à direita, sendo interessante que o céu deste quadro é a reprodução exata das condições celestes do dia 02/08/1837. À esquerda, quase imperceptível, nota-se uma misteriosa mão rugosa.

O quadro tem uma história atribulada, que explica alguns pormenores aparentemente absurdos. Conta uma história lendária de amor e violência. Francesca da Rimini é uma das mais famosas personagens do Inferno de Dante Alighieri, ao que parece baseada numa história verídica, ouvida pelo grande poeta. Francesca era filha de Guido da Polenta, senhor de Ravena, e por razões políticas, havia sido oferecida em casamento a Giancotto, o idoso senhor de Rimini, com quem haveria de casar em 1275, apesar da grande diferença de idade, e das deformidades físicas patentes existentes no esposo. O irmão mais novo de Giancotto, de nome Paolo e muito mais jovem, apaixona-se por Francesca, e esta acaba por lhe corresponder. Reza a história que, mais ou menos em 1285, o velho Giancotto os surpreendeu num momento de amor e os esfaqueou até à morte. A tragédia comoveu os poetas. No quadro, do lado esquerdo, aparece uma misteriosa mão. Trata-se da mão de Giancotto, que se prepara para matar os jovens. O astro que se encontra à esquerda da Lua é certamente um planeta. Nenhuma estrela tem tal brilho que seja possível observá-la ao crepúsculo. Podemos ser inclinados a dizer que se trata de Vênus, pois é o planeta da deusa do amor.

Boccaccio, no seu Comento, culpa Giancotto por todo o drama, dizendo que este se escondeu até ao momento do casamento, fazendo crer a Francesca que era com Paolo que ela iria casar. Dante dedica-lhe alguns dos versos mais sentidos do Inferno que, no Canto V, descreve o segundo círculo do abismo – aí passam os tormentos eternos os culpados de amor pecaminoso. Amor, que dos corações gentis rapidamente se apodera, dele se apoderou. Amor, que a nenhum amado permite não amar, tomou-me com tanta força, deslumbrada, que, como se vê, ainda agora não me abandona.. Na visão de Dante, a lascívia é o menos grave dos pecados (sendo, por coincidência, o principal pecado do próprio Dante, na visão deste). Consiste o castigo meramente em ser arrastado eternamente por uma espécie de furacão. Dante dialoga com Francesca da Rimini, que narra as circunstâncias de seu adultério com o cunhado Paolo Malatesta, transformado em eterno parceiro no turbilhão infernal. na Idade Média, Paolo e Francesca liam a história com cada vez mais tesão, e chegavam, em certos momentos, a erguer os olhos e perder a cor das faces: “... li occhi ci sospinse quella lettura, e scolorocci il viso...” Segundo Francesca, no momento da leitura em que Lancelote conseguiu o almejado beijo, Paolo por sua vez a beijou, trêmulo. Portanto, diz a nobre dama, Galeoto teria sido o livro e quem o escreveu. Cuidado, autores de literatura erótica, com as conseqüências de vossos escritos. O resultado foi que Paolo e Francesca não pegaram mais na leitura o resto do dia: “... la bocca mi basciò tutto tremante. Galeotto fu’l libro e chi lo scrisse; qual giorno più non vi leggemmo avante”. O corno fraticida, Gianciotto Malatesta iria, em breve, expiar sua culpa na Caína, setor do nono círculo destinado aos traidores dos parentes.

O sentido de tudo é que o Amor, nessa vida, é a Culminância, e mesmo sendo imoral deste lado, será apaziguado seu julgamento do lado de lá. "O justo e o legal".

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