segunda-feira, agosto 15, 2005


Coitadinha das Criancinhas:.

Muitas vezes um deus, um poema, uma cidade, uma pirâmide exprimem mais sobre um povo do que sua história. O nosso século traz "o Museu da Barbie" como ícone de uma geração. É pelo lar, pelo afeto do coração, pelo trabalho, pela justiça e pelo cotidiano das famílias que se revela o mais profundo do ser humano*. No fantástico, as crianças de hoje exprimiram seus medos. Medos tão diversos daqueles que eu tive e tenho! Daqueles que eu repasso para as minhas gerações, já que medos maternos tendem a se infiltrar através do sangue do filho, ou durante sua formação. Ou, numa avançada teoria espírita, trazemos medos de passagens anteriores.

Minha princesa tem medo inato de se perder. Mesmo com o medo, se solta por algum tempo; e de repente bate um desespero tão enorme nela, que vêm gritando muito, numa voz aflitíssima, coisas sem nexo. Como se houvesse olhado tudo ao redor, e tivesse concluído que haviam largado ela por ali. Isso que ela jamais ficou em local nenhum, sem presença de quem a ama. Todos que vêem a cena, ficam admirados do pavor que ela antecede a procura. Não tem medo nenhum de bicho-papão, nem de homem-do-saco, bruxa ou animais. Geralmente aceita estranhos de uma maneira oito ou oitenta: ama ou detesta. O que ela está aprendendo é temer a polícia: não aceita o banco de trás sem o convencimento de que o homem-polícia está logo ali, prestes a pegá-la. Resolveu sozinha o medo de animais peçonhentos: ela tendo o chinelo e sendo maior, não exprime grito de pavor nenhum, mesmo que a mãe berre muiiito. Medo de ladrão: nenhum. Pavor do Pediatra. E do homem-do-correio, que toca a campainha e tentou pegar a sua mão, sem pedir.

Já o outro, pavor de baratas e aranhas. De ladrão, policial corrupto, e espírito-do-além. Do homem do escuro e de doenças. De doação de sangue. De que morra alguém que ele ama. De ter acne se masturbando; de comer bala doada por estranhos, de droga e de AIDS.

Eu me lembro que o meu grande medo era o meu pai, que parecia tão bravo! Tudo ficava pequeno perto dele - medo de ladrão, se ele estava ali, pra que? Medo de baratas? Eu gritava, e ele sempre matou todas. Medo de espíritos? Ele vinha, e acendia a luz. De Bruxas, contava uma história de tia e padre. De Morte? Falava de fé e de Deus. Medo eu tinha era de quando esse pai-herói ficava nervoso: rangia os dentes, bufava muito.... nem namorar eu consegui sem o seu consentimento. Um olhar, e eu sabia. Mesmo assim, lógico que desafiava o medo: geralmente as crises de nervosismo eram desencadeadas por esse anjo doce - não sei porque mas gostava de saber até onde podia ir. E me sentia amada, cercada de proteção e de imaginaçao.

Essas crianças de hoje - as que se apresentaram no quadro do fantástico - me deram medo. Medo de que meus filhos se tornem pavorosas como elas. Medo, porque o pai de hoje está tão distante que não é mais herói nenhum.


Jules Michelet, historiador francês.

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