domingo, julho 31, 2005


Lisboa e os Judeus:.

Encontrei este livro pairando entre muitos que resolvo, de momento, adquirir em sebos, e depois deixo-os de lado, reservados para "algum dia eu ler". Richard Zimler, O último cabalista de Lisboa, me conquistou. Tanto que até dezembro adquiro seu "Trevas da Luz. Muito bom mesmo. E caiu do céu: o tema judaísmo, Portugal e direitos comunitários me fascinam e estão no auge nesse momento, pelo meu caminho. Entremeia a trama de um assassinato contando muita coisa sobre o "massacre de Lisboa", ocorrido em 1.506. Isso é muito desconhecido pelos portugueses que estão há anos morando no Brasil: jamais vi alguém comentar dessa noite. Como acontece com todas as coisas que mudam inesperadamente o rumo de nossa vida, tinha que ser num dia 19.

No "pogrom"* de Lisboa de 19 de Abril de 1506, durante o reinado do Rei Manuel I de Portugal, um "cristão-novo" (judeu obrigado a converter-se ao catolicismo sob pena de morte) expressa as suas dúvidas sobre as visões milagrosas na Igreja de S. Domingos em Lisboa. Como consequência, cerca de 4000 judeus, homens, mulheres e crianças, foram massacrados pela população católica, incitados por monges dominicanos. Os judeus foram acusados entre outros "males", de deicídio e de serem a causa da profunda seca que assolava o país. A matança durou três dias. No seguimento deste massacre, do clima de crescente Anti-Semitismo em Portugal e do estabelecimento da Inquisição, (o tribunal da Inquisição entrou em funcionamento em 1540 e perdurou até 1821) muitas famílias judaicas fugiram do país. No Rossio, o chão ficou "tapado com montanhas de corpos mutilados".

O desafio depois disso é bem mais profundo: olharmo-nos de frente e encararmos finalmente o que somos, como fomos, em todas as nossas máscaras. Na multiplicidade histórica e mítica ainda por preencher e entender. Não há Idade de Ouro que não tenha reversos feridos. Mas tapar as feridas e ocultar o incomodo não é, nem pode ser próprio de uma cultura que fez da saudade um santuário de remissões vagas e místicas. Que o sonho e a lenda não sirvam para encobrir a dor. Encobrir não é viver; é mitificar e calar. Enquanto que no caso do Islão, ao longo do século XV - nas Ordenações Afonsinas estão prescritas as últimas instruções conhecidas a observar nas mourarias - , houve uma assimilação natural progressiva e sem "noites de cristal", já com o judaísmo houve um conhecido fim brutal de tipo nazi que a história oficial portuguesa sempre ofuscou e silenciou (de um modo abrupto, antes do 25 de Abril, e, de um modo baço, mas talvez mais hipócrita, hoje em dia).

Portugal adora vaguear sobre uma memória estriadamente obliterada. E foi sobre essa rugosidade que edificou, ao longo de séculos, mil e uma máscaras que não se reconhecem hoje com parte do corpo que é, afinal, o seu. Em 2004, se celebraram 350 anos "sobre a chegada dos primeiros emigrantes judeus à colónia holandesa de Nova Amsterdão, na ilha de Manhattan (atual Nova Iorque)". Tratou-se, na altura, de um contingente de 23 emigrantes judeus fugidos à Inquisição do Recife, no Brasil. De fato, um certo mutismo português adora esquecer os labirintos judaicos de Amsterdã, de Antuérpia, de Istambul ou do Recife que, afinal, lhe saíram da sua própria carne. Por que razão será muda a história oficial portuguesa acerca da implosão judaica de finais de século XV e inícios do século XVI? Independentemente de tal mudez, a verdade é que não há português que não traga consigo um pouco de Israel e, no entanto, parece disfarçá-lo com uma leviana saudade da escuridão, com uma timidez pessoana e quase mitológica, com uma ignorância tétrica e, às vezes, com uma apaixonada tentação pela erradicação memorial (tantas vezes pressionada pelos fluxos ideológicos de conjuntura).

Dito por Luis Carmelo: "É como se, na frente de um Portugal marmóreo e cristalizado, apenas ficasse o mar e as suas lendas a sós, apenas ficasse a imagem passada de um século de ouro, apenas ficasse a euforia das Europálias, das Expos, das Décimas sétimas, das N Capitais da cultura e das várias Exposições do mundo português. É como se, em todas estas cenografias da exaltação lusa, nada sobrasse do vestígio da alma judaica arrancada à nossa própria alma. Que auto-imagem celebrará tal amputação, ou tal compaixão desprovida de rosto?"

*A palavra de origem russa Pogrom ("??????") denomina um ataque violento massivo a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos massivos de violência, espontânea ou premeditada, contra Judeus e outras minorias étnicas da Europa.

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