segunda-feira, julho 18, 2005


Badulaques do escritor que Adoro:.

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"Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma."

OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA: “Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostra felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostra felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão...” Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para a sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras de repente seus dentes bateram numa objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-o em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz...” Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos. As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores na alma.

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T.S. Eliot se refere a um momento da vida quando se atinge “a liberdade íntima do desejo prático, quando se está livre da obrigação de fazer, livre das compulsões internas e externas...” Citei esse texto de Eliot num dos meus livros. O revisor se horrorizou. Imaginou que eu havia me enganado. Corrigiu a minha tradução e assassinou Eliot. Escreveu: “a liberdade íntima para o desejo prático...” Desejo prático é o desejo de fazer coisas. Nunca havia passado pela cabeça do revisor, certamente um ativista político, que existe na vida um delicioso momento de vagabundagem. Quando as mãos nada têm a fazer por obrigação. É nesse momento de vagabundagem que as coisas que haviam permanecido sufocadas durante a vida inteira pela obrigação prática de fazer começam a fazer o que querem. Max Weber confessou que suas melhores idéias lhe vinham quando caminhava distraído pelas ruas de Heidelberg. As idéias vêem quando não as estamos buscando. E quando aparecem ficamos surpresos. “Eu não procuro, eu encontro”, dizia Picasso. A velhice é um desses momentos. Os velhos não têm obrigação de fazer coisa alguma. Nada se espera deles. Tempo da aposentadoria. A poesia começou a brotar da Cora Coralina depois dos 70 anos. Antes disse a poesia não apareceu. Certamente ela estava muito ocupada com as obrigações de uma dona de casa. Meu primo Paulo Berutti passou a vida inteira fazendo as coisas que sua profissão de engenheiro agrônomo o obrigavam a fazer. Aposentado, veio a vagabundagem. Perguntou-se: “Que vou fazer?” Foi então que surgiu das funduras do esquecimento o tapeceiro que ele fora desde sempre. Suas tapeçarias maravilhosas viajaram o mundo. E que dizer do professor Avelino Rodrigues de Oliveira que durante sua vida profissional se dedicou de maneira competente a ensinar os mistérios da bioquímica aos seus alunos? Aposentou-se e o pintor que morara nele desde que nascera floresceu. Ele pinta quadros maravilhosos. A profissão é, freqüentemente, o túmulo dos artistas.

Eu quero me livrar de fardos acumulados, e deixar ser o que a vida me destinou a viver.

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