sexta-feira, junho 17, 2005


Dos fins:.

A busca de significado é intrínscea à natureza humana. "Se pudessemos saber primeiramente onde estamos e para onde nos dirigimos, teríamos a noção do que fazer e poderíamos julgar a melhor maneira para tal", observou um dia Abraham Lincoln. Nesse sentido, a coragem, compaixão, honestidade, lealdade e todas as outras virtudes podem constituir a diferença. Podem ser a diferença. Podem ser um destino, porque a maneira de viajarmos é mais importante do que a distância que conseguimos percorrer. "A vida como todas as outras bençãos, extrai seu valor do próprio uso apenas. Não por si mesma, mas por um propósito mais nobre que o eterno lhe concedeu, e este propósito é a virtude". No fim, podemos descobrir que as coisas a que chamamos virtudes estão entre as razões pelas quais nos encontramos aqui. Não são apenas meios; muito freqüentemente, são os próprios fins. E quando se tornam preceitos pelos quais nos guiamos, nossas próprias ações acontecem de ser as melhores respostas para as grandes questões da vida.

Certo rei se aproximou de um eremita, e perguntou-lhe: "vim ter contigo, sábio eremita, para pedir-te que respondas a 3 perguntas. Como posso aprender a fazer o que é certo na hora certa? Quem são as pessoas de que mais preciso, e assim a quem devo prestar mais atenção que aos demais? E que assuntos são mais importantes e precisam primeiramente da minha atenção?

O Eremita ouviu o rei, mas nada respondeu. Apenas cuspiu em suas mãos e recomeçou a cavar. O rei vendo-o, percebeu que ele estava cansado, e se ofereceu para pegar uma pá e trabalhar um pouco para ele, cavando assim duas sementeiras. Depois disso, o rei novamente repetiu as perguntas. Mais uma vez o eremita nada respondeu, mas levantou-se, esticou a mão para a pá e disse: - Agora descansa um instante, e deixa-me trabalhar um pouco. Mas o rei não lhe deu a pá e continou a cavar. Uma hora se passou, e mais outra. O sol começou a descer por trás das árvores, o rei finalmente enfiou a pá ao chão e disse: "oh, sábio, vim a ti para obter respostas as minhas perguntas. Se não podes me dar alguma, dize-me então, e voltarei para casa".

Nessa hora surge alguém correndo. O rei virou-se e viu um homem barbado saindo da floresta. O homem trazia as mãos pressionadas contra o flanco, e por ali escorria-lhe o sangue. Quando alcançou o rei, caiu desmaiado no chão, gemendo baixinho. O rei e o eremita afrouxaram suas roupas; havia uma grande ferida em seu corpo. O rei lavou-a da melhor maneira que pôde, cobriu-a com seu lenço e uma toalha do eremita; porém o sangue não parava de jorrar. Muitas vezes o rei lavou e cobriu a ferida, e quando finalmente o sangue estancou, o homem se recuperou e pediu algo para beber. Orei trouxe água fresca e deu-a para ele. Entrementes, o sol se pôs e começou a fazer frio. Então o rei, com a ajuda do eremita, carregou o ferido para dentro da cabana, deitando-o na cama; e como estava muito cansado também, o rei pegou no sono profundamente, dormindo toda a curta noite de verão. Ao despertar pela manhã, demorou a se lembrar onde estava, ou quem era aquele homem barbado deitado na cama e encarando-o tenazmente com olhos brilhantes.

- Desculpa-me! - disse o homem barbado com a voz fraca, ao ver que o rei estava acordado, e olhando para ele.
- Não te conheço, e não tens nada a ser perdoado - disse o rei.
- Não me conheces, mas eu o conheço. Sou aquele inimigo que jurou vingar-se de ti por teres executado seu irmão e tomado sua propriedde. Soube que tinhas vindo sozinho ver o eremita, e resolvi matar-te pelas costas. Mas o dia passou, e tu não voltavas. Assim, saí de minha emboscada, e cheguei até os seus guarda-costas. Eles me reconheceram e feriram. Eu escapei deles, mas teria sangrado até a morte, se não tivesses me cuidado. Eu queria sua morte, e salvaste miha vida. Agora, se eu sobreviver, servir-te-ei como o mais fervoroso servo. Perdoa-me.

O rei ficou muito satisfeito por ter feito a paz com seu inimigo, tão facilmente, e por tê-lo ganhado como amigo; portanto não apenas o perdoou como disse também que mandaria seus servos e seu próprio médico para atende-lo, e prometeu devolver-lhe a propriedade. Tendo deixado o homem ferido, o rei foi para o alpendre e procurou o eremita. Antes de ir embora desejava mais uma vez solicitar as respostas às suas perguntas. O rei se aproximou do eremita, que estava ajoelhado na sementeira. "Pela última vez, peço-lhe que respondas às minhas perguntas, homem sábio".

- Já recebeste tuas respostas. Não vês? Se não tivesse ficado com pena de minha fraqueza ontem e cavado essas sementeiras para mim, mas tivesse ido embora, aquele homem o teria atacado e terias se arrependido por não teres permanecido comigo. Por isso a hora mais importante foi quando cavavas as sementeiras; eu era o homem mais importante, e fazer-me um favor foi a coisa mais importante. Depois disso, quando aquele homem chegou correndo, a hora mais importante foi quando cuidavas dele, pois se não tivesse cuidado de suas feridas, ele teria morrido sem estar em paz contigo. Por isso ele era o homem mais importante, e o que fizeste por ele foi a coisa mais importante. Lembra-te então: Há somente um momento que é importante - AGORA! É a hora mais importante, porque é o único instante em que temos algum poder. O homem mais necessário é aquele com quem estás, pois ninguém sabe se vai tornar a lidar com outro alguém; e o assunto mais importante é fazer o bem para ele, pois com este propósito apenas o homem foi enviado a esta vida.


Leon Tolstoi, in O livro das Virtudes II, "O que rege nossa vida, William Bennet.

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