quinta-feira, fevereiro 12, 2004


Era uma vez 'eu'

Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância,e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes. (...) Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direação ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: Já tinham o tamanho dos meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo.

(...)Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão. Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria. Muitas vezes antes de adormecer - nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior - muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono.

E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho. Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo,e como uma cega perdida num campo. Essa coisa sobrenatural que é viver.O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar.

(...) A verdade não faz sentido,a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra.

C. Lispector